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Brasileiros ganham força nas ruas contra os abusos da direita no Congresso Nacional

Com palavras de ordem contra a PEC 3, de 2021, a chamada PEC das prerrogativas, apelidada nos atos de “PEC da Blindagem”, que carregava “jabuticadas” como o voto secreto e um PL em defesa da anistia aos organizadores de uma tentativa de golpe (que culminou nos atos de 8 de janeiro de 2023), as ruas das maiores cidades do Brasil foram tomadas pelo entusiasmo dos que se cansaram de ver o Congresso Nacional travar as pautas populares do governo Lula, enquanto se apressa em votar as pautas de poder da direita.

O estopim da revolta foi a aprovação, em regime de urgência, da PEC 3, no último dia 16 de setembro. Em seguida, na noite da quarta-feira (17), a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para a tramitação do Projeto de Lei (PL) 2162/23, que propõe anistia aos golpistas envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023. A aprovação ocorreu por 311 votos a favor, 163 contra e sete abstenções. Com a aprovação da urgência, o PL pode ser votado diretamente no Plenário, sem passar pelas comissões temáticas.

Com grande repercussão na imprensa corporativa e na esteira das comemorações em torno da condenação de Jair Bolsonaro e dos militares envolvidos na trama golpista, os atos de domingo ganharam a adesão de milhares de cidadãos que acreditam que a condenação de militares brasileiros, apoiadores de todos os golpes e desmandos contra o atual Estado democrático de direito, seja, além de necessária para evitar novos golpes, uma reparação histórica em relação à anistia dada aos responsáveis pelos anos de chumbo no País.

O PL 2162, apresentado em abril de 2023, de autoria de Marcelo Crivella (Republicanos/RJ), concede anistia aos participantes das manifestações de motivação política ocorridas entre o dia 30 de outubro de 2022 e o dia de entrada em vigor da Lei. Aliados de Bolsonaro defendem que a anistia alcance também o ex-presidente, condenado pel Supremo Tribunal Federal (STF) a mais de 27 anos de prisão, em julgamento concluído na semana passada. O deputado Paulinho da Força (Solidariedade), indicado para ser o relator do projeto, agora rebatizado de PL da Dosimetria, é próximo do ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, e declarou estar em interlocução com os ministros da Corte, o que comprova a simbiose entre os dois poderes. Porém, a situação dos condenados se complicou devido às interferências do governo dos EUA ao impor sanções aos membros do STF como forma de chantagem.

Em relação aos atos de domingo, embora a pressão nas ruas tenha sido vitoriosa, garantindo o arquivamento definitivo da PEC 3 pelo Senado na última quarta-feira (24), ainda há muitos desafios para a esquerda que exigem a organização de lutas populares em defesa de pautas que promovem mudanças concretas na vida dos trabalhadores. A luta contra a chamada “política para os políticos”, como a PEC 3 e o PL da Anistia, deve agora ser reforçada pelas lutas em torno da aprovação de projetos importantes para redução das desigualdades sociais, como a isenção do Imposto de Renda aos que ganham até R$ 5 mil. A PEC 3 retomava as prerrogativas da Câmara dos Deputados e do Senado garantidas pela Constituição de 1988, reduzindo a interferência do Poder Judiciário no direito à imunidade parlamentar, ou seja, previa autorização da Câmara dos Deputados ou do Senado para o Supremo Tribunal Federal (STF) processar deputado ou senador. Ainda que a imunidade parlamentar seja uma garantia de que pessoas eleitas pelos cidadãos não sejam perseguidas politicamente, na atual conjuntura, o objetivo claro da urgência em aprovar a proposta é o de livrar a extrema-direita bolsonarista de sofrer processos e cassações que inviabilizem o plano da burguesia de derrotar o governo Lula em 2026.

 

STF, um instrumento da burguesia contra os direitos dos trabalhadores

Sem dúvidas os atos do último domingo foram extremamente importantes e inclusive pedagógicos ao levar a população às ruas, numa reação contra os ataques sistêmicos dos representantes da extrema direita no Congresso Nacional, um dos mais reacionários da história do nosso País. Contudo, os setores progressistas, especialmente os representantes das massas trabalhadoras, devem ficar atentos às armadilhas da burguesia, que a todo o momento tentam desacreditar o poder da organização popular, enquanto elegem supostos “salvadores da pátria”.

O “culto” ao STF é um exemplo dessa política. Ainda que, neste momento, muito em função de interesses e crises internas da burguesa, ministros do STF adotem posturas mais “republicanas” nas matérias que dizem respeito à tentativa de golpe da extrema-direita, trata-se um poder elitista e vitalício, completamente blindado por decisões fisiológicas e em favor das classes economicamente poderosas, cujos membros são indicados por governantes de ocasião. Não podemos esquecer que, em muitas ocasiões, os ministros do STF votaram para arquivar denúncias de corrupção contra a família Bolsonaro. Só só para citar algumas: Jan/2019 - Luiz Fux suspende investigações contra Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro; Set/2019 - Gilmar Mendes suspende investigações contra Flávio Bolsonaro; Mar/2020 - Ministros arquivam denúncias contra Bolsonaro na pandemia; Set/2020 - Marco Aurélio Mello suspende inquérito sobre interferência de Bolsonaro na PF; Mai/2021 - Marco Aurélio Mello arquiva pedido para investigar Bolsonaro no caso dos depósitos de Queiroz para Michele Bolsonaro, e por ai vai.

E  para além dessas questões pontuais, que revelam uma disputa interna de setores da burguesia, o Supremo tem se posicionado favorável a todas as medidas neoliberais de destruição dos direitos trabalhistas e de aumento do poder repressivo do Estado, como foi a decisão, tomada um dia após a condenação de Jair Bolsonaro, de referendar, por unanimidade, a decisão do ministro Gilmar Mendes e manter em vigor, em caráter liminar (provisório), a lei que instituiu o modelo de escolas cívico-militares no Estado de São Paulo. Ainda que a alegação para tal decisão seja técnica, ou seja, partiu do entendimento de que o TJ-SP usurpou competência do STF ao sustar a aplicação da norma, as consequências serão políticas, pois fortalecerão o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), a levar adiante sua política conservadora e a potencializar seu nome como o candidato da direita em 2026.

Os Tribunais são quase que unânimes nas decisões de retiradas de direitos dos trabalhadores, a exemplo dos julgamentos dos Dissídios Coletivos dos trabalhadores das estatais, que em sua ampla maioria enveredam para o “extermínio” dos Acordos Coletivos de Trabalho (ACT), a exemplo do julgamento dos trabalhadores dos Correios, em 2020, que numa única canetada retirou 50 cláusulas do ACT da categoria. Mais recentemente, a 7ª Turma do STF também validou a suspensão de férias praticada pelos Correios contra seus trabalhadores após alegação de suposta crise financeira.

Não podemos esquecer que foi o STF quem validou a PEC 241/55, que instituiu o teto de gastos públicos, afetando investimentos públicos em áreas sociais, incluindo saúde, educação e assistência social, impactando o desenvolvimento social e os direitos dos trabalhadores. A Suprema Corte também declarou a constitucionalidade da Lei da Terceirização (Lei 13.429/2017), permitindo a terceirização em todas as atividades econômicas, inclusive nas atividades-fim das empresas, o que, na prática significa a retirada/flexibilização de direitos. 

A lição que a classe trabalhadora precisa tirar é que não pode, em hipótese alguma, apostar suas fichas das instituições burguesas e seus representantes. As conquistas coletivas só virão através da luta unificada das massas trabalhadores. Isto não significa, entretanto, que não devamos nos valer das disputas internas da burguesia, inclusive em alianças pontuais. Muito pelo contrário. Essas crises e divergências devem ser aproveitadas no sentido de buscar o enfraquecimento dos nossos inimigos de classe.

 

Tomar as ruas em defesa das pautas trabalhistas!

O Congresso Nacional age em nome da campanha eleitoral de 2026. Travar as pautas do governo Lula é uma forma de evitar que este ganhe apoio popular. Ao mesmo tempo, a anistia a Bolsonaro é uma barganha para que o mesmo transfira seu poder de votos para Tarcísio de Freitas, escolhido como o candidato da grande burguesia. Para evitar a permanência de um congresso antipovo como o atual é importante defender, além das pautas econômicas que favorecem a classe trabalhadora, o debate sobre a criação de poder popular por meio do orçamento participativo, uma prática democrática que permite à população ser protagonista na definição das políticas públicas, evitando a formação dos currais eleitorais por meio do envio de emendas parlamentares às regiões. As emendas encobrem a falta de planejamento transparente e responsável na política orçamentária e garantem migalhas para a solução de alguns problemas regionais e, na maioria das cidades do País, beneficiam empresas de políticos locais, garantindo suas reeleições.

É fundamental que o ímpeto que lotou as ruas no último domingo se mantenha ativo para a defesa dos projetos já existentes e que estão travados no Congresso Nacional, como a isenção do Imposto de Renda aos mais pobres, a tributação dos mais ricos e o fim da escala 6x1. Também será preciso tomar as ruas contra a Reforma Administrativa que fere servidores e serviços públicos e contra o risco de o tema 1389 ser votado no STF, tirando as prerrogativas da Justiça do Trabalho em julgar os vínculos empregatícios e afetando drasticamente a segurança jurídica de trabalhadores ao redefinir as regras da relação de trabalho no País.  A defesa do governo Lula, contra o projeto da burguesia de colocar a extrema-direita neoliberal e inimiga do povo de volta ao poder, com Tarcísio de Freitas ou com outro nome, passa pelas conquistas das pautas populares. Que este belo domingo seja a primeira das muitas manifestações em favor dos direitos populares.

 

 Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil


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