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A DIÁSPORA NEGRA E AS BASES DO CAPITALISMO BRASILEIRO: DA ESCRAVIDÃO À LUTA POR EMANCIPAÇÃO

(Reflexões a partir da leitura do livro História do Trabalho e dos Trabalhadores Brasileiros – Volume I, de Márcia Lima e Marcos Rodrigues da Silva, organizado por João Carlos Nogueira. Instituto Integração / Núcleo de Desenvolvimento Metodológico / Secretaria Nacional de Formação / CUT – São Paulo, 2001.)

A presença africana que moldou o Brasil

A história do Brasil é inseparável da presença africana. Mais de 60 milhões de brasileiros têm origem direta ou indireta no continente africano, fazendo do País o segundo maior território negro do mundo, atrás apenas da Nigéria. Essa presença ultrapassa os números: está no ritmo da música, no sabor da comida, nas palavras do cotidiano, nos gestos e nas formas de espiritualidade que moldaram o modo de ser brasileiro.

Durante séculos, o olhar europeu representa a África como um continente “sem história” — uma narrativa construída para justificar a escravidão, o colonialismo e a exploração extrema. No entanto, antes da invasão europeia, reinos como Mali, Songhai, Congo e Benim já possuíam estruturas políticas complexas, economias autônomas e sistemas de educação comunitária. Essa realidade foi violentamente transformada quando o comércio se converteu em tráfico humano e a apropriação individual do lucro passou a reger o destino de milhões de pessoas.

Da invasão ao capitalismo dependente

A partir do século XV, Portugal iniciou suas grandes navegações, legitimado por bulas papais que autorizaram a captura e a escravização de povos africanos. Sob o pretexto da “salvação das almas”, a fé cristã serviu como instrumento de dominação, enquanto o corpo negro se tornava objeto de exploração. No século XVIII, cerca de 80 mil africanos por ano foram trazidos ao Brasil — o maior fluxo forçado da história humana. A travessia atlântica, o “caminho do meio”, foi um dos pilares da acumulação primitiva de capital que sustentou o enriquecimento europeu e o nascimento do capitalismo moderno.

O trabalho forçado de milhões de africanos ergueu engenhos, minas e portos — bases materiais da economia colonial. Vieram povos de várias regiões da África, cujos nomes aparecem nas fontes históricas sobre a escravidão atlântica como iorubás, bantos, ewe-fon, congos, angolas, jejes e muitos outros. Cada grupo trouxe línguas, visões de mundo, ritmos e formas comunitárias de vida. Mesmo sob o jugo da escravidão, recriaram laços, reinventaram rituais e fundaram territórios de resistência, como os quilombos — expressões concretas de liberdade e solidariedade popular.

As religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, preservaram a ancestralidade e a ética coletiva desses povos. A herança africana está no samba, no maracatu, no jongo, no congado e na culinária popular, mas, acima de tudo, vive na resistência cotidiana: na fé, na luta e na coragem de existir.

Racismo, neocolonialismo e emancipação

A abolição não significou liberdade. O capitalismo brasileiro consolidou-se sobre a exclusão e o trabalho precário da população negra. O racismo é funcional ao capital: divide a classe trabalhadora e perpetua a exploração. O negro “liberto” foi empurrado para a marginalidade econômica e política, reproduzindo, sob novas formas, as estruturas coloniais.

Essa lógica persiste no neocolonialismo, que mantém o controle de recursos, a dependência financeira e a dominação econômica. No Brasil, o racismo segue sendo um instrumento do capitalismo para definir quem trabalha, quem decide e quem tem direitos. A população negra permanece mais exposta à pobreza, à violência e ao trabalho precário — não por acaso, mas porque essa desigualdade é estrutural.

Reconhecer a contribuição africana é compreender que não há emancipação social sem enfrentar o racismo estrutural e as bases econômicas que o sustentam. A luta pela autodeterminação dos povos africanos e afro-diaspóricos é, ao mesmo tempo, uma luta contra o imperialismo e o capital. Superar o racismo é parte essencial da construção de um novo projeto de emancipação — antirracista, anticolonial e voltado à libertação da classe trabalhadora e de todos os povos oprimidos.

 

foto: Reprodução web

 


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