Quando não se analisa a política a partir da base econômica dos acontecimentos, corre-se o risco de cair em explicações moralistas e fortemente influenciadas pela política da direita. É o que a esquerda pequeno-burguesa está sempre a fazer.
A “morenista” Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT QI), representada no Brasil pelo PSTU, colocou-se à frente dos “trotskistas humanitários” para os quais o discurso abstrato sobre a “vida humana” é mais importante que a luta real contra os maiores opressores, que são as grandes potências imperialistas. Trata-se do discurso que não apresenta as contradições materiais relacionadas ao conflito. A retomada de Alepo pelo Exército Sírio, com o apoio da Rússia, do Irã e do Hizbollah, é apresentada como uma derrota do “povo” contra a tirania de Bashar Al Assad. Essa posição lembra os discursos cruzadistas de George Bush, quando anunciava a caça às tiranias opressoras do Oriente Médio. Porém, nessa luta do bem contra o mal, eles não explicam quem é o “bem”. Esquecem-se do básico da luta antiimperialista que é a correlação de forças. Em 13 de dezembro, o site da LIT-QI, publicou uma condenação aos ataques contra os “rebeldes” de Alepo e a única menção que fazem às grandes forças do imperialismo é a de que não interferiram da forma como deveriam.
Do cretinismo parlamentar ao pró-imperialismo
“É certo que o isolamento da revolução (imposto pelo imperialismo e pela suposta “esquerda” pró-Assad) criou um vazio político que, em muitos casos, foi utilizado por países da região que têm uma agenda própria, muito diferente dos valores que estavam na própria essência das manifestações, que só pediam, a princípio, reformas pontuais no regime e, posteriormente, transformaram-se numa revolução popular. As monarquias do Golfo, assim como a Turquia, aproveitaram-se dessa situação para financiar grupos afins.
No entanto, ainda existem dezenas de iniciativas civis na Síria, como os Comitês Locais que continuam operando, o Alepo Media Center etc., que representam o espírito inicial da revolução e que lutam para manter os princípios de justiça, democracia e igualdade pelos quais milhões de sírios saíram às ruas arriscando suas vidas. (em 13 de dezembro http://litci.org/pt/lit-qi-e-partidos/declaracao-lit-qi/assad-e-russia-transformam-alepo-num-mar-de-sangue/)
A política do imperialismo e das reacionárias potências regionais, a começar a monarquia saudita, armando os “rebeldes”, é chamada de “vazio político”. O apoio do imperialismo às monarquias do Golfo é camuflado pela “agenda própria” dos países da região. Nesse mundo do faz-de-conta, abstrações como “valores”, “essência”, “iniciativas”, “princípios de justiça, democracia e igualdade” seriam suficientes para derrotar os interesses imperialistas na região e o maior entrave a essa derrota seria o apoio Russo à Assad. Essa análise se assenta em bases eminentemente burguesas, e que sendo assim, só visam reforçar a hegemonia política da classe economicamente dominante.
Os “morenistas” vão à loucura ao lamentar que os Estados Unidos e outras potências regionais tenham abandonado as “milícias populares” e a população Síria à própria sorte, pois entendem que a queda do regime sírio, mesmo com apoio do imperialismo, seria “o primeiro passo, único possível, até a resolução da crise humanitária na Síria”. Resta saber como a queda de Assad resolveria essa “crise humanitária”, ou antes disso, saber o que ela significa. Seria algo como: Assad cai, o povo Sírio constrói um governo “justo e humanitário”, o imperialismo fica comovido e retira suas garras da Síria?
O moralismo desses esquerdistas não passa de um apoio velado ao imperialismo e à direita. Fizeram o mesmo no Brasil ao descolar o discurso da realidade e apoiar a derrubada de Dilma, pedir a prisão de Cunha e agora gritarem Fora Temer como se estivéssemos em período revolucionário com os trabalhadores prontos para assumirem o poder. Um discurso político muito similar ao do Fascismo Italiano: Fora Todos, inclusive os trabalhadores.
A Síria: um dos focos da política do “salve-se quem puder”
O conflito na Síria deve ser analisado sob o ponto de vista da luta de classes e esta sobre a base da luta antiimperialista. Todas as forças bélicas envolvidas têm seus interesses econômicos específicos na região. A derrota dos rebeldes neste momento revela a grande crise pela qual passa o imperialismo mundial e seu maior representante, os Estados Unidos. Os “morenistas” lamentam essa crise, ignorando que o imperialismo armou os “rebeldes” e o máximo que consegue dizer é que não confia nos Estados Unidos, na EU e na ONU. Chega a ser pueril dizer-se revolucionário e afirmar que não confia nas potências imperialistas do capitalismo.
Obviamente que a aliança entre Rússia, Turquia e Irã tem a ver com os interesses de cada país na estabilidade do Oriente Médio. Esses são estados burgueses enão têm como política principal a resolução de “crises humanitárias”. As contradições internas de cada país provocam reviravoltas nas alianças e estratégias. Por exemplo, os sauditas têm importantes contradições com a política da Administração Obama para o Oriente Médio, assim como acontece com Israel. Obama orientou a aliança para o Irã, a Rússia e a China, na tentativa de estabilizar o Oriente Médio.
A disputa pelo controle do Oriente Médio se tornou um dos componentes fundamentais das potências regionais e do imperialismo devido ao petróleo, à posição estratégica no comércio mundial e à posição de entre-mercado no Novo Caminho da Seda chinês que busca acelerar as trocas entre a China e a Europa.
O Irã representa um fator de desestabilização em todos os países da região onde existem minorias xiitas. Estas tendem a se alinhar ao regime dos aiatolás e a entrar em contradição com as monarquias do Golfo. Na Faixa de Gaza, houve uma ruptura adicional ao frágil equilíbrio devido à proximidade do Hamas (sunita) com a poderosa milícia libanesa Hizbollah (xiita) e o Irã. As monarquias do Golfo buscam reduzir a influência do Irã na região compartilhando a mesma política dos sionistas israelenses. Há negócios muito lucrativos envolvendo não somente o petróleo, mas também o fornecimento de gás a partir do mega-campo de Pars, que compartilham o Irã e o Catar. Os gasodutos passam pela Arábia Saudita e a Síria. O Irã é um aliado próximo da Rússia, mas, quando se trata da disputa por mercados, as políticas vão além das “amizades”.
A análise da crise passa pela crise capitalista mundial
A guerra civil na Síria e a desestabilização generalizada do Oriente Médio têm na base o aprofundamento da crise econômica mundial. As potências regionais buscam manter e aumentar o controle enquanto a crise tem provocado o aumento da desestabilização social. O Oriente Médio representa um componente secundário do capitalismo mundial. Mas devido ao petróleo tem apertado a crise sobre os países centrais. A única saída para a crise no Oriente Médio passa pela luta contra o imperialismo e seus intermediários, as potências reacionárias da região.
Parte da esquerda pequeno-burguesa levanta a ideia de que a “esquerda sensata” interpreta a vitória sobre os “rebeldes” em Alepo como uma tacada russa em prol da libertação do povo Sírio. Nada mais rasteiro e enganoso. Um dos principais objetivos da Rússia no Oriente Médio passa por forçar uma saída negociada que possibilite um acordo com o imperialismo no sentido de reduzir a agressividade sobre a própria periferia. Os Estados Unidos têm dado continuidade às negociações sobre questões táticas com os russos, mas evitarão acordos sobre questões estratégicas. A Rússia possui contradições importantes com o imperialismo em relação à disputa das regiões da antiga União Soviética. A política norte-americana, aplicada por meio da OTAN, busca conter a Rússia ao mesmo tempo em que busca, como objetivo de longo prazo, impor um governo controlado pelo imperialismo. Para se contrapor a esse aperto, a Rússia continua desenvolvendo a aliança com a China, em primeiro lugar, e outras potências regionais como a Índia. Não é possível analisar a Rússia como parte do bloco monolítico do capitalismo imperialista.
A desestabilização do Oriente Médio, região cujas fronteiras foram desenhadas pelos interesses imperialistas, indica uma crise sem precedentes do capitalismo mundial e essa crise poderá fazer acelerar as tendências revolucionárias nos grandes centros. Não se trata de uma questão moral, uma luta do bem contra o mal, em primeiro lugar está a base econômica dos conflitos que cria as contradições internas assentadas nos interesses das classes sociais em antagonismo.