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Ocupação Urbana e Exclusão Social

Segundo a sociologia urbana, a cidade se define por três aspectos: tamanho, densidade e diversidade. Isso é uma cidade: um lugar onde há muita gente, junta e diversa. Ou seja, a cidade é um território, um coágulo, fruto das relações sociais.

Reduzir a cidade a uma dimensão, seja o Circuito Cultural Praça da Liberdade, Igreja da Pampulha ou o Mercado Municipal, é esconder a diversidade, é a negação da cidade. Estabelecer a cidade como imagem publicitária dela mesma é um processo simbólico que tem consequências concretas. Cria-se a utopia de uma cidade sem pobres, mas os pobres existem nessa cidade. A solução encontrada é mandar para longe esse elemento que corrompe a cidade perfeita. É negar à maioria pobre o direito à cidade, uma vez que a única homogeneidade que o capitalismo tem historicamente, em seu horizonte, é a desigualdade social.

Atualmente a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) é formada por 34 municípios e aparece no ranking nacional como a terceira em importância socioeconômica do país. Se entre as décadas de 1950-70 teve um forte desenvolvimento, em fins da década de 1980, a metrópole veio a conhecer uma forte estagnação acompanhada de uma também forte perda de identidade. O primeiro sinal de sua reestruturação pode ser apontado pelo Plano Diretor de 1996 – Lei Municipal 7.165.

São três os discursos tradicionais que operam no ordenamento espacial da RMBH. O primeiro é a cidade em si, enquanto capital do Estado: serviços, tecnologia e cultura. Aparece como sede de um sistema estadual e regional de inovação, onde o desenvolvimento de atividades relacionadas à pesquisa e tecnologia seria estimulado. Seriam expandidos os serviços produtivos e pessoais modernos e também atividades culturais. O segundo é o setor voltado para Nova Lima. Esse município seria um espaço para moradia das classes de alta renda em busca de uma (re)localização que incorpore a dimensão ambiental e a segurança privada, além de concentrar serviços avançados e sedes de grandes empresas instaladas na RMBH e seu entorno. E terceiro, o da Cidade Industrial, no qual Contagem e Betim manteriam o discurso das 'cidades industriais'.

Recentemente fez-se um quarto discurso em busca de um novo eixo de desenvolvimento da RMBH: o chamado Vetor Norte. Este se fez sob duas frentes. A primeira, via Governo do Estado de Minas Gerais, começou a operar em 2004. A retomada da utilização do Aeroporto Internacional de Confins é considerada o marco zero deste processo. E que teve como âncora a construção da Linha Verde. Depois veio a Cidade Administrativa (2010), fora da cidade e retirando o trabalhador da cidade. A segunda frente fez-se via setor privado: o Aeroporto-Indústria, o Polo de microeletrônica, o empreendimento Precon Park e os investimentos na Granja Werneck (ou região da Ocupação Izidora: Vilas Rosa Leão, Esperança e Vitória). O Vetor Norte representaria os anseios de se criar uma “novíssima economia mineira”, baseada nos serviços de ponta, na indústria de tecnologia avançada, na inovação e sustentabilidade ambiental. Tudo isso, de acordo com as expectativas e tendências da economia globalizada contemporânea.

Em todos os discursos, a máxima de que são os empresários que entendem da/de cidade, ou, que é o mercado que entende de cidade.

Assim sendo, como podemos qualificar uma região metropolitana? Como aquele território mais ou menos urbanizado que fica em torno de uma grande cidade e depende dela. Trata-se de um território colonizado por uma grande cidade, que explora seus recursos (água, solo, trabalho etc), impõe-lhe seu modo de organização e em troca recebe aqueles equipamentos ou infraestruturas que a grande cidade expulsa: indústrias mais ou menos incômodas ou poluidoras, urbanização marginal ou secundária, aeroportos, rodovias, presídios, plantas de tratamento, aterros sanitários. Da mesma forma que nos processos de colonização, destrói estruturas e relações socioculturais para impor outras de caráter muito mais precário, substitui relações face a face por outras muito mais anônimas, altera as relações de trabalho com contratos de emprego cada vez mais precários, substitui os modos de alimentação, lazer, habitar, de viver por outros progressivamente padronizados e produzidos em massa. Em suma: A metrópole tende a impor a “urbanidade” e a excluir todo o não normativo, das formas de trabalho até as formas de cotidianidade.

Esta centralidade subordina o território metropolitano ao vento do mercado que lhe dá um alto valor de troca que anula absolutamente seu valor de uso. Isto é, age potencializando a mais-valia dos negócios privados. Mas, como vimos, essa centralidade só é possível se existe um espaço subordinado, uma periferia, de características totalmente opostas.

Nessa lógica, essa periferia é tratada puramente como espaço marginal. Se o que se considera cidade é aquela organizada e produzida segundo padrões urbanos regulados por normas de ocupação e princípios da propriedade privada do solo, a periferia aparece como a anti-cidade. Urbanisticamente é a imagem inversa ou o clichê negativo da cidade. São, analisadas em seu conjunto, 'territórios reserva' de acumulação de capital. Social e economicamente também estão fora do sistema regular de produção, consumo e formação. Seus habitantes constituem a reserva de mão de obra metropolitana e, portanto, o subemprego e o desemprego são situações dominantes, derivando outra série de problemas por demais conhecidos.

Dentro dessa lógica perversa, a equação é resolvida através da gestão do medo. Mantendo-se parte da população em condições de precariedade, criminalizada socialmente e guetizada urbanisticamente, permite-se alimentar facilmente os cidadãos “normalizados” com o medo e a insegurança. Sentimentos estes que, por sua vez, constituem valiosos recursos econômicos e políticos para a produção e gestão de segurança.

Em definitivo, podemos considerar que a miséria é o recurso básico que alimenta uma amplíssima gama de setores econômicos da área de segurança: indústrias de construção, eletrônica, armamento, seguros. Igualmente, alimenta o discurso político em um duplo sentido. De um lado, o das promessas vãs de melhorar as condições de vida da população marginal (algo que atrai votos). Por outro lado, a garantia de segurança para o cidadão 'normalizado' (algo que igualmente atrai votos). Ambas as orientações do discurso constituem a base ideológica da criminalização indiscriminada dos habitantes de 'territórios-reserva' e da gestão pública do medo.

Como sair desse impasse? Primeiro é preciso vencer o analfabetismo urbanístico, um alheamento do ambiente que molda as nossas vidas e dos quais dependemos para a nossa sobrevivência. De acordo com a urbanista Ermínia Maricato, “combater o analfabetismo urbanístico significa compreender a estratégia das forças selvagens que faz do solo urbano e dos orçamentos públicos pasto para seus interesses”. Listar as forças que têm poder sobre a produção das cidades já seria um tema fundamental desse aprendizado. Ato contínuo, é preciso fazer que a legislação sobre nossas cidades sejam aplicadas. Temos, desde 2001, o Estatuto da Cidade, lei que regulamenta o capítulo de política urbana da Constituição Federal de 1988, tendo como base a função social dos imóveis urbanos. Ele prevê a obrigatoriedade de um Plano Diretor às cidades com mais de 20 mil habitantes; o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) como forma de medir os efeitos de qualquer empreendimento imobiliário. Isso mediante audiências públicas. O Estatuto é extenso, mas é necessário salientar que o IPTU progressivo no tempo, é um dos seus instrumentos mais importantes, cujo objetivo é fazer com que um imóvel cumpra a suas função social, colocando limites ao direito de propriedade, dando a todos o direito à cidade.

Para funcionar devem-se desmontar consensos e instituir conflitos. Está é a definição da prática democrática segundo o filósofo político Jacques Rancière. Concluindo, a cidade está em disputa e a última palavra sobre ela ainda não foi dada.


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