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A Propriedade Privada Não Pode ser Enxergada Mais Como um Direito Absoluto e Individual

O jornal Gazeta Operária entrevistou Thales Viote, advogado da Ocupação Carolina Maria de Jesus e integrante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG), sobre a ocupação de um prédio abandonado de 14 andares, no centro de Belo Horizonte. O Movimento de Luta de Bairros, Vilas e Favelas (MLB), que coordena a ocupação, reivindica que “o prédio seja destinado para moradia dessas famílias, que sofreram por anos com a falta de habitação digna e adequada, condição fundamental para constituírem suas vidas. Somos uma luta contra a especulação imobiliária e pela efetivação do direito à cidade para uma parcela da população que sempre teve a cidade negada!”. Ainda segundo o MLB, “Em 2009, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) publicou o Plano de Reabilitação da Região do Hipercentro, que trazia um estudo indicando existir só na região do hipercentro um total de 107 imóveis vazios e lotes vagos sem uso, isso sem contar os 165 lotes que são usados como estacionamento. Vários desses imóveis continuam na mesma situação. Edifícios sem usos comprovados por mais de cinco  anos estão sujeitos à aplicação de vários instrumentos criados para garantir o cumprimento da função social: desde IPTU progressivo no tempo, que aumenta o valor dos impostos a serem pagos pelo imóvel a cada ano vazio, até a desapropriação do terreno, com transferência da propriedade ao Poder Público. Queremos que esses instrumentos sejam usados para criar uma cidade mais justa”. A ocupação está localizada na Av. Afonso Pena nº 2.300, no coração de Belo Horizonte, Minas Gerais.


Gazeta Operária - Quando iniciou a ocupação e o que a motivou?
Thales Viote - A Ocupação Carolina Maria de Jesus se iniciou no dia 6 de setembro de 2017, e o que a motivou foi a mesma razão que nos motivou a realizar nossas diversas ocupações Brasil afora; é a falta de política habitacional popular conjugado com o descumprimento da função social da propriedade. Não podemos aceitar o fato de tantos terrenos e prédios estarem inutilizados ou subutilizados porque seus proprietários os querem vazios para tentar "valorizar" mais, e isso se dá porque a propriedade privada não pode ser enxergada mais como um direito absoluto e individual. É legítimo um proprietário de um celular jogá-lo na parede porque é sua propriedade? Com isso, haverá a extração de mais minérios, ou seja, haverá mais impacto ambiental, exatamente para se construir um novo celular em substituição ao celular quebrado. Isso é socialmente bom? Há função social nessa propriedade? O mesmo se deve perguntar para os imóveis e terras.


Gazeta Operária - Qual o total de famílias e de integrantes da ocupação Carolina Maria de Jesus? Porque este nome?
Thales Viote - São cerca de 200 famílias organizadas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) que já sofreram despejos em tentativas de conquistar a moradia por meio de ocupações que foram despejadas ilegal e violentamente pela PMMG, ou que estavam há mais de oito anos cadastradas na Prefeitura de Belo Horizonte a espera de uma moradia da falida política municipal de habitação social. Carolina Maria de Jesus é uma importante escritora brasileira que era uma trabalhadora catadora de material reciclado (que viveu em situação de rua, inclusive) e que viveu vários dos dramas da classe trabalhadora brasileira, incluindo ser despejada em uma favela. Ela era analfabeta e se alfabetizou praticamente de forma autodidata através de livros, revistas e outros escritos que ela manuseava no trabalho de catadora de materiais reciclados. Ela escreveu um livro chamado "Quarto de Despejo", onde narra a humilhação social e moral de se morar em periferia e diz que "a favela é o quarto de despejo da cidade", condições que, juntas ao próprio despejo, fazem parte da realidade que infelizmente os trabalhadores e trabalhadoras sem teto vivem diariamente. Como ela é pouco reconhecida, o que se deve muito em razão de sua origem humilde (que era negra, além de pobre), resolvemos homenageá-la, pois sua trajetória se assemelha com a luta do MLB.


Gazeta Operária - Qual a postura da prefeitura e demais órgãos institucionais diante da ocupação? Qual a atual situação que se encontra o movimento?
Thales Viote - Os governos estadual e municipal iniciaram um diálogo conosco, porém nada se avançou até agora. Nos últimos dois anos, a postura do poder público, em especial do governo estadual como chefe da Polícia Militar de Minas Gerais, foi de responder às ocupações urbanas com despejos. Na visita que representantes dos dois governos fizeram na semana passada, ao menos houve o reconhecimento de que as políticas públicas oficiais são muito insuficientes. Estamos com uma reunião marcada para o dia 28 de setembro para tentar iniciar uma negociação que visa conseguir uma alternativa digna para as famílias.


Gazeta Operária - E os movimentos sociais, sindicais etc., têm se solidarizado? Como apoiar?
Thales Viote - Em geral temos recebido apoio dos movimentos populares e sindicais, pois a luta do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas não é apenas por moradia, é pela transformação profunda da sociedade através da construção do socialismo, então sempre apoiamos e nos somamos a outras lutas com outros movimentos. O apoio pode se dar com a doação de dinheiro e produtos em geral, até a realização de atividades na ocupação, de modo a mantê-la cheia de apoiadores, ou até visitá-la e pressionar as autoridades a construírem uma alternativa digna para as famílias.


Gazeta Operária - Você acha que tem tido um aumento de moradores nas ruas da grande BH? Por que?
Thales Viote - Sem sombra de dúvidas, e isso se dá porque somado à ineficiência das políticas oficiais de habitação social (o déficit habitacional só tem aumentado, conforme comprova estudos da Fundação João Pinheiro), há a crise econômica que está jogando milhares de famílias no olho da rua (as pessoas não estão dando conta de pagar aluguel), e os cortes de investimentos sociais que o governo golpista do Temer tem praticado nas áreas de assistência social e demais políticas sociais.


Gazeta Operária - Quais politicas publicadas poderiam ser aplicadas para reduzir a população em situação de rua?
Thales Viote - Os diversos instrumentos do Estatuto da Cidade podem ser aplicados como o IPTU progressivo e a desapropriação por falta de função social, o que forçaria os proprietários especuladores a não especularem. Atualmente tramita projeto do novo Plano Diretor que visa implementar vários desses instrumentos previstos no Estatuto da Cidade e que está emperrado porque vários setores empresariais conservadores estão tentando impedir o avanço.


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