A Luta Popular e Sindical (LPS) entrevistou a professora Denise de Melo sobre a atuação dos movimentos sociais em Uberlândia, MG. Confira:
Luta Popular e Sindical (LPS): Como está se dando o processo de ocupações urbanas e qual a principal demanda do Movimento Sem-Teto de Uberlândia?
Denise Melo: A principal demanda da Central de Movimentos Populares – uma espécie de centro de referência para a maioria dos movimentos de Uberlândia, que engloba a maioria desses movimentos sociais – em relação ao movimento Sem-Teto, está relacionada principalmente a um grande assentamento (acabamos considerando isso), chamado Campos do Gloria. Essa terra pertence atualmente à Universidade Federal de Uberlândia, mas na verdade foi uma doação da prefeitura da cidade. Como a Universidade não ocupou o local, a população carente da cidade, que não tem local para morar e faz parte do Movimento Sem-Teto, ocupou esse local e passou a morar lá. A grande maioria dessas pessoas que não tem condições de morar na cidade em virtude dos aluguéis muito caros, por ser uma cidade de coronelismo baseada nas terras improdutivas dos coronéis que ainda existem e ficam especulando imobiliariamente para super valorizar suas terras. Após construírem suas residências e fixarem suas vidas, veio a questão da Justiça. É preciso dizer que existia a possibilidade de resolver o problema da pose das terras e regularizar a situação, já que essas pessoas não possuem esgoto, não têm asfaltamento, energia elétrica etc. Os direitos sociais de urbanização acabam sendo negados porque a ocupação está irregular. Mas, o que aconteceu? As demandas que eles têm agora já foram programadas pelo prefeito que acabou de se reeleger e é um dos coronéis. Foi organizado para que a Polícia pudesse ir com toda sua aparelhagem repressora para dizimar o acampamento, sendo que o próprio Ministério Público (MP) tinha a autonomia para permitir que o impasse fosse resolvido, autorizando, por exemplo, que a Universidade devolvesse aquela terra para a Prefeitura. Vale destacar que essa terra estava prevista no Plano Diretor da cidade para ser utilizada na questão de moradia urbana, para uso social mesmo. Ou seja, já estava prevista para serem utilizadas em loteamento, casas populares para pessoas de baixa renda. Se o Ministério fosse realmente público, atuando em defesa dos direitos da população, bastava permitir que a Universidade devolvesse aquele pedaço de terra para o município e então poderia se legalizar a posse dessas terras. Mas isso foi negado pelo MP, que infelizmente se coloca na posição de privado, atuando na defesa dos interesses dos especuladores imobiliários.
Luta Popular e Sindical (LPS): E com relação ao Movimento Negro?
Denise Melo: O Movimento Negro tem várias demandas separadas. Não há um único Movimento organizado que atue na cidade e uma das demandas que a gente acaba acompanhando está relacionada, principalmente, com a questão cultural. O que está pegando fogo na cidade é a questão do Carnaval. Grande parte dos candidatos que foram eleitos – diversos vereadores e, inclusive, o prefeito – foram eleitos com o apoio da comunidade negra, tanto na parte das religiosidades que lideram as comunidades de terreiro (nós falamos terreiro, mas não é bem essa palavra), onde acontecem os cultos de matriz africana. Então aquelas pessoas muitas delas fazem parte de grupos como, por exemplo, o Congado - acabam aglomerando a maior parte da população negra. E o que a gente viu foi que a maioria do Movimento não se uniu. A gente, como negro (eu sou negra), não nos unimos para eleger um candidato negro. Nós elegemos somente candidatos brancos, que apenas disfarçavam que entendiam as nossas demandas.
Vários candidatos foram eleitos sob essa perspectiva e quando chegou a nossa pauta cultural, a pauta mais ampla como, por exemplo, o carnaval, que havia sido todo programado desde o ano passado para acontecer, as pessoas se envolveram e tal, e quando chegou a questão da crise, pagamento de salários etc, o prefeito que entrou cortou as verbas para o carnaval praticamente na ilegalidade. O mesmo aconteceu com os vereadores, que também foram eleitos com o apoio da comunidade negra, e ao invés de defender a questão cultural, foram lá e disfarçaram as verbas.
Isso sem falar da questão da Superintendência da Igualdade Racial, extinta pelo atual prefeito. Para coordenar as questões relacionadas aos negros, foi nomeada uma pessoa branca que não tem nenhuma sensibilidade com as questões que afetam as pessoas de pele escura. Na Câmara, foi criada uma Comissão da Igualdade Racial e a presidenta dessa comissão, infelizmente, é uma pessoa acusada de cometer crimes graves contra a humanidade. Isso é muito grave. Uma demonstração da total falta de respeito com a comunidade negra.