• Entrar
logo

Regime de Segregação e as heranças culturais que renovam o orgulho de ser preto

Mesmo com os 129 anos de abolição, em pleno século XXI, ainda convivemos com o preconceito, só que muitas vezes “maquiado”. Outrora essa “segregação” vem de maneira exacerbada. Basta ver que os pretos são apenas lembrados pelas danças, esportes e por atividades que demandam uma maior força física.

Nem por isso podemos deixar de enaltecer nossas origens e aplaudir nossas heranças culturais. Temos motivos de sobra para continuar a lutar por um espaço na sociedade, que sejamos reconhecidos como seres humanos e que tenhamos uma retratação mínima pelas várias décadas de retrocesso causadas pela gana dos abutres capitalistas, travestidos de “empreendedores”.


Samba: uma herança musical


Um ano após a abolição dos escravos, formava-se a primeira “favela” no Rio de Janeiro, nome que chamamos hoje. O termo vem do Latim faba (“legume”) e faz referência a uma planta que havia na região de Canudos, na Bahia – um arbusto típico do sertão nordestino, o faveleiro, mais conhecido popularmente por “favela”. O Morro de Favela ganhou esse nome por ser coberto pela planta “favela”.

O povo preto, apesar do retrocesso e das humilhações, nunca perdeu sua alegria. Sendo assim, um dos ritmos mais tradicionais do País, o samba, teve origem dos antigos batuques trazidos pelos africanos que vieram como escravos para o Brasil. Esses batuques estavam na maioria das vezes ligados a credos religiosos. Eles eram formas de comunicação entre os negros, uma espécie de “ritual”, com os batuques (música) e a ginga (dança). Os sons provenientes do batuque foram aos poucos recebendo novos elementos, outros estilos musicais, o que foi fortalecido no Rio de Janeiro, no século XIX. A partir de então, com o fim da escravidão, o Rio de Janeiro se tornou um aglomerado de negros vindos de diversas regiões, principalmente da Bahia, em busca de oportunidades. Nesses aglomerados, nas regiões centrais, a mistura do batuque africano, maxixe e polca formaram as primeiras rodas de samba.


Uma das possíveis origens seria a etnia quioco, na qual a palavra “samba” significa cabriolar, brincar, divertir-se como cabrito.

O samba parecia se aplicar nas danças núpcias de Angola, caracterizadas pela umbigada, em uma espécie de ritual de fertilidade.

Na Bahia, surge à modalidade “samba de roda”, em que homens tocam e só as mulheres dançam, uma de cada vez. Há outras versões, menos rígidas, em que um casal ocupa o centro da roda.

A partir do século XIX para o século XX, o samba foi se afirmando como gênero musical popular quase unânime nos subúrbios e, depois, nos morros cariocas. Dois sambistas ficaram muito conhecidos nesse contexto: João da Baiana (1887-1974), filho da baiana Tia Perciliana, de Santo Amaro de Purificação, que gravou o samba “Batuque na cozinha”, e Donga (Joaquim Maria dos Santos) (1890-1974), que registrou, em 27 de novembro de 1916, aquele que ficou conhecido como o primeiro samba registrado em gravadoras: “Pelo telefone”.


Gastronomia brasileira e a influência africana


Sem dúvidas, a herança africana influenciou em muitos dos nossos pratos. O País todo tem um tempero africano, porém, a maior região ou estado no qual a África teve grande contribuição foi Bahia e em todo nordeste. Os três pratos mais conhecidos são estes:

Feijoada: O brasileiríssimo prato se originou nas senzalas. Enquanto os cortes nobres das carnes eram servidos aos senhores de engenho, os escravos ficavam com as “sobras”, como pés, orelhas, linguiça e a carne seca, que eram cozinhados com o feijão preto num caldeirão. Surgia-se assim a feijoada.

Farofa: Essa está presente na maioria dos churrascos. A farofa, do quimbundo “falofa” também teve sua origem na era colonial, após o plantio da mandioca, grande responsável pela iguaria. No Brasil, ela é servida como acompanhamento às carnes assadas e foi evoluindo com o passar do tempo.

Acarajé: Um dos quitutes da cozinha baiana, o acarajé é um bolinho feito com massa do feijão-fradinho, temperado com cebola e sal. Após ser frito no azeite de dendê, o bolinho é cortado ao meio e recheado com molho feito de camarão seco, vatapá ou caruru, pimenta e cebola, tudo triturado no azeite de dendê. É muito semelhante ao “Abará”, outro prato da culinária baiana com origem africana, com uma diferença somente na maneira de cozinhar, sendo o primeiro frito e o segundo cozido no vapor.

A palavra acarajé é composta, de origem da língua africana ioruba: akará = bola de fogo e jé = comer, ou seja, comer bola de fogo.

O acarajé quando feito para os orixás, ou seja, em âmbito sagrado, deve ser apenas frito. Seus tamanhos e formatos possuem simbolismos próprios e são endereçados às divindades específicas. Os grandes e redondos são oferecidos a Xangô; os pequenos são servidos para as iabás, como Iansã, a rainha valente, mulher de Xangô, para os obás (ministros de Xangô) e para os erês (intermediários entre a pessoa e seu orixá).

Principal atrativo dos tabuleiros da baiana, o acarajé tem um forte vínculo religioso, ligado ao candomblé. Tudo é importante para a venda na rua: o traje, os fios de contas, as pulseiras, o pano da costa (usado sobre os ombros); o preparo do azeite de dendê e do bolinho; o respeito às comidas e aos dias consagrados aos deuses.

Mesmo quando vendido de forma profana, o acarajé é considerado uma comida sagrada pelas baianas, não podendo ser dissociado do candomblé. Sua receita não deve ser modificada e só deve ser preparada por filhos de santo. Atualmente, há quem conteste esse princípio, achando que o importante é que seja mantido o respeito às tradições, mas a venda não deveria ser restrita aos integrantes do candomblé. Herdeiras dos escravos urbanos, as baianas do acarajé existem em Salvador há pelo menos um século. Em 2005, o ofício tornou-se patrimônio cultural do Brasil, registrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).


Capoeira


A capoeira é uma arte marcial.  Ela foi proibida durante muito tempo no Brasil. Hoje em dia, quem ver crianças praticando a arte livremente em escolas ou rodas de capoeira, capoeira negrosnem imagina que em um passado essa prática conhecida das raízes negras era mal vista e considerada perigosa.

A origem da capoeira data da época da escravidão no Brasil. Muitos negros foram trazidos da África para trabalhar nos engenhos de cana-de-açúcar, nas fazendas de café, nas roças ou nas casas dos senhores. A capoeira era uma forma de luta e de resistência. Porém, para não despertarem suspeitas, os escravos adaptaram os movimentos da luta aos cantos da África, fazendo tudo parecer uma dança. A capoeira foi ficando do jeito que ela é hoje, gingada.

Em 1888, a escravidão foi “oficialmente abolida” no Brasil. Muitos negros libertos não tinham como sobreviver e acabaram na marginalidade. Em Salvador, chegaram a organizar gangues e a provocar rebeliões. Na década de 1930, a capoeira já tinha adquirido um novo status em nossa sociedade.  Getúlio Vargas, com o intuito mentiroso de demonstrar o quanto o Brasil era um país harmoniosamente mestiço, que respeita as diferenças das raças e que abrigava a todos, como dizem os textos de Gilberto Freyre, convidou um grupo de capoeira para se apresentar oficialmente no Palácio do Catete. Professores de capoeira da Bahia se tornaram famosos, como os mestres Bimba, Pastinha e Gato, imortalizados nos romances de Jorge Amado. A capoeira era liberada. Embora o governo de Getúlio tenha tomado atitudes como o convite dos capoeiristas, a verdade é que o governo e a sociedade brasileira se esforçam para esconder essa herança africana. Há muito preconceito intrínseco à nossa formação social. Porém, com tanta riqueza, como não se orgulhar de nossas heranças africanas? Após tanta luta para preservar nossas raízes, elas não podem simplesmente nos ser ocultadas ou omitidas. Dentre outros fatores, este é um que faz com que não exaltemos o orgulho de sermos afros descendentes e de não cultuar nossa cultura, absorvendo apenas o lixo cultural imposto pelo imperialismo.


Topo