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Efeito Mandume!

Que tal falarmos um pouco sobre a luta para a libertação da honra de ser negro? Estamos cansados de acompanhar tantas falácias como, por exemplo, a afirmação que não existe preconceito ou que os negros estão errados em inúmeras coisas.  Às vezes, as ideias de pensadores de deuses nórdicos sobre a nossa luta por igualdade ser um erro, nos faz acreditar que estamos praticando o racismo ao contrário. A agressão, muitas vezes, não é só física! Querem nos obrigar a acreditar que somos pequenos no discernimento e entendimento de nossa própria cultura e vida.

Por sermos negros e vivermos como tais, querem nos fazer acreditar que toda a incoerência da falta de respeito pela cor da pele é fruto de nossa imaginação. Essa invasão e inversão de valores nos acua de certa forma. Estamos novamente com corrente nas mãos e nos pés. Nesse caso, devemos ter o mesmo conceito de Mandume: enfrentar com coragem essa nova forma de opressão ou, quem sabe, a velha nova forma de opressão.

Mandume Ya Ndemufayo (1894 — Sul de Angola, 6 de fevereiro de 1917) era de um povoado pertencente ao grupo etnolonguístico dos ovambo (ou Ambó), do sul de Angola e norte da Namíbia, e foi o último rei dos Cuanhamas. Mandume foi escolarizado por missionários protestantes alemães. Começou a reinar em 1911 e sua liderança durou até 1917, coincidindo, portanto, com o período em que o poder colonial português se concentrou na ocupação efetiva, pela força, do território de Angola, conforme exigido pelo princípio da Ocupação Efectiva da Conferência de Berlim.

Mandume se opôs bravamente aos portugueses, em uma resistência tenaz, enfrentando, ao mesmo tempo, o avanço dos ocupantes alemães que vinham do sul. Mesmo em desvantagem numérica e de superioridade militar dos europeus, lutou bravamente e por questão de força militar, mas acabou vencido. Segundo a tradição oral angolana, ao notar que já não tinha outra saída, Mandume preferiu o suicídio a ter que se render.

O último rei dos Cuanhamas mostrou às duas potências que mesmo em total desvantagem, com sua coragem e ousadia, é com luta que os negros enfrentam os problemas. E no fim, quando tudo parecia ter perdido a razão, de uma forma trágica, mostrou que o negro não se entregará a escravidão tão fácil. Podemos dizer que por essa pequena introdução da vida desse guerreiro é possível expressar o efeito Mandume.


Por que efeito Mandume?


Não se trata de apologia ao anarquismo, de ir para a guerra em uma batalha corporal e um suicídio coletivo no final. Muito pelo contrário. Quando se retoma a história desse grande líder africano, o que se visa é o respeito ao memorial de Mandume e vários outros líderes, heróis negros que passaram na história. Reitera-se também que não devemos simplesmente aceitar as correntes psicológicas que tentam nos prender.

Durante o reinado de Mandume, as guerras de guerrilhas que ocorriam entre os povos africanos acabaram. Elas passaram a ser apenas contra os portugueses, que, a todo o custo, tentavam ocupar a parte Sul de Angola. Antes da ocupação colonial, os Ambós estavam divididos pelos reinos do Cuanhama, Kuamatuis e os dois estados do Evale e Cafima e viviam unidos e sem guerras entre si.

Por essa bravura, os negros se juntaram mesmo com suas diferenças para um bem maior: proteger o seu espaço e os entes queridos. O pensamento de nunca se vergar diante dos portugueses, que hoje se reconfigura enquanto os imperialistas, deve ser o espírito a emanar em nossas mentes para a luta real em busca de uma sociedade cada vez melhor.

No momento exatamente anterior a Mandume, se ouvia gritos estridentes e dolorosos devido a tamanha dor e tortura, onde a terra África via seus filhos inocentes em correntes sendo levados pelos mares por genocidas e carrascos. Os que acreditavam que estavam fazendo a coisa certa, viam o castigo, os porões, os pelourinhos, as chibatas, os grilhões, as humilhações, as tapas na cara, a dor da chibata, o tronco, a senzala e os abusos como “coisas normais”. Se os negros reclamassem, estariam errados, porque aquilo era tão comum que se criou a ideia que os negros nasciam para aquilo e estavam “acostumados”.  O Navio Negreiro, aos olhos dos capitalistas, era sem dúvida o melhor lugar para um negro estupido e ignorante, segundo a normalidade que acreditavam existir.


A “normalização” da inferioridade negra


Hoje, podemos ver o mesmo percalço ao fazerem acreditar em coisas que não são normais. É o caso, por exemplo, da mulher que acha bonito ser chamada apenas de “mulata” ou “morena” e se a chamar de negra. Não pode, porque isso é feio e errado. Não acreditar que ser negra é bonito apenas em um carro alegórico de carnaval ou esfregando chão em novelas consideradas nobres. Por que, nas passarelas, as negras precisam estar apenas quando é um produto alvo de minoria? Se alguém agride fisicamente uma mulher, tem que ser algo revoltante para todas, mesmo se a cor de pela dela for escura. Vamos ter que enfrentar quem? A hipocrisia ou a indústria da beleza?

E o Capitão do Mato? Muitos ainda existem nos dias de hoje, mas, alguns usam fardas. Alguns corpos numa vala, a rota que passou, a polícia que matou, só que, aquele homem é preto, para a mente da sociedade é bandido, com certeza. Uma estatística feita lá nos anos noventa, não mudou muito até hoje, porém, é alarmante. 60% das pessoas da periferia sem antecedentes criminais sofreram ou sofrem violência policial. Esse assédio é triunfo da ignorância racista sobre a ideologia que negro é bandido. Em compensação, as universidades ficam na base de 10% de presença negra. Das 5% de pessoas mortas violentamente em cidades grandes como São Paulo, por exemplo, a maioria é sempre a negra.

O desemprego no Brasil é enorme, principalmente por causa da crise que o capitalismo está passando. Essa taxa de desemprego é consideravelmente maior entre negros e pardos do que entre brancos, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2016. Esse ano, apenas aumentou a porcentagem.

Uma coisa chata de ser ouvir, que recorrentemente é retomada na falácia da meritocracia capitalista, é que “só não trabalha quem não quer”.  Por esse discurso, pode-se pensar que a maioria dos negros odeiam trabalhar, são vagabundos e fazem de tudo para se manter desempregado, na “vida boa”, que preferem passar fome, inclusive, para não trabalhar. A maioria dos que espalham essa baboseira são brancos, de classe média (ou ricos), “filhinhos de papar” que sequer tiveram que “pegar no pesado” para “conquistar” os salários e a boa vida. Fica muito fácil usufruir de frases assim, de cunho preconceituoso

O negro no Brasil: depreciação em todas as instâncias


Não é só no mundo do trabalho ou nas relações sociais que os negros são inferiorizados. Isso também é visível em aspectos culturais.  A “normalidade” brasileira faz acreditar que frases como “chuta que é macumba” não são preconceituosas e que os deuses da cultura negra são demoníacos.

Demagogia e preconceito da religiosidade católica. Como um desrespeito tão óbvio que ficou normal aos olhos do povo? Não é possível aceita. O catolicismo, historicamente, a religião majoritária do Brasil é a principal responsável pela demonização das religiosidades africanas. Como a fé do católico pode se tornar desculpa para diminuir a fé no batuque ou a uma vela para minha entidade? Se podem cultuar uma imagem de um santo de olhos claros, pele branquinha e cabelo liso, é errado eu reivindicar a minha natureza?

Porém, as diferenças dessas religiões estão no comportamento e todas as religiões majoritárias dão a impressão que são contra as religiões negras. Isso de inferiorizar as religiosidades africanas é tão comum que o povo negro possui receios em se cumprimentar com “Axé”.

Nas escolas, ninguém aprende a manusear os instrumentos idiofónicos, membranofónicos, aerofónicos e o cordofónicos, comuns a religiosidade africana. Ninguém pode dançar, bater os pés e as mãos sem ser taxado de ridículo. Ninguém pode cultuar Orixás, Alaafin, vim de Oyó, Xangô, Orunmila e vários outros sem ter represália por isso. Ao dizerem “eu respeito, mas, isso é errado...”, não há nada de respeito. Há a tentativa em obrigar a acreditar cegamente na religião imposta como verdade e, para piorar, que as religiões negras cultuam demônios. Não dá para aceitar. Quebre o preconceito e verá que a felicidade e a fé de outro não diz respeito a cor da pele.

Efeitos práticos do racismo


Com toda essa carga pejorativa de um racismo que é praticamente institucional, o preto não é aceito, é simplesmente tolerado. O exemplo das cotas é elucidativo nesse sentido. Dizem que a cota é errada, que isso é separação e que é injusto. Porém, as pessoas que reclamam das cotas esquecem as inúmeras vantagens que elas própria têm.

As estatísticas de desempregos, que são maiores entre pessoas negras, mostram os privilégios que possuem as pessoas brancas. Quando um negro e um branco vão para uma entrevista de emprego, a cor da pele conta muito para conseguir o trabalho. De certa forma, podemos pensar isso como cota.

Quando se tem um assalto numa rua e a única discrição é um homem de boné e nessa rua tem dois homens de boné, um negro e um branco, quem será abordado primeiro? É um tipo de cota. Nas cracolândias, as várias entrevistas sobre o assunto revelam que quando o usuário é uma pessoa de pele branca, as expressões mais usadas são: “coitado”, “precisa de ajuda”, “não é vida”, “cadê a justiça para ajudar” e assim vai. Se for um negro: “sem vergonhice”, “para roubar e pedir tem coragem, trabalhar que é bom nada”, “estão acabando com o Brasil” e assim vai, também é um tipo de cota.

Ir ao Shopping para fazer compras. Se é uma turma de brancos, o tratamento é bom, oferecem até água para agradar. Se for uma turma de negros, reforçam o seguram no local, isso também é uma forma de cota. Numa blitz da polícia, se pararem um carro onde um negro está dirigindo e outro com um branco, quem será que terá a maior chance de sair do carro, “levar uma geral” e ter o automóvel vasculhado? Também é um tipo de cota.

Usam todas essas informações para dizer que é “vitimologia”, porém, é uma mente preconceituosa usando fatores que não conhecem para se defender.  Não devemos aceitar que a “mixaria” de cota que nos oferecem incomodem e todas as outras levantadas aqui sejam normais.  Não se pode deixar que os julgamentos retrógrados tirem os direitos conquistados pelo suor e sangue negro do passado.


A retomada da história negra como resistência


De que passado falamos?  Afinal de contas, onde está a história negra? Dr. Rui Barbosa, de ato criminoso pôs fogo em inúmeros documentos da história negra. Uma espécie de reedição do Holocausto. Fogo em todas as provas para que as pessoas de hoje possam relativizar a história de luta negra, dizer que ela não existiu, que não aconteceu e que, se for verdade, exigir as fotos, documentos e registros que não existem.

Essas mesmas pessoas são tão cegas que vão acreditar que mesmo fruto do escravo, os negros não carregam consigo cicatrizes de torturas. Não podemos aceitar que a luta, sofrimento e as conquistas dos negros sejam queimados nas nossas mentes. Não podemos deixar de ter orgulho do cabelo crespo e tentar ensinar nossos entes sobre o que nossos avós fizeram e porque foram obrigados a fazer.  Por mais que tenham queimado a história negra, não podem nos obrigar a esquecer! É aí que Mandume tem seu efeito.

Agora, somos a resistência, como Mandume, iremos enfrentar os ataques vindo de todos os lados com honra, coragem e força negra. Se precisarmos sangrar, morrer ou chorar com a história, o faremos. Sabemos o nosso valor. Sabemos que não desistimos, mas que foi por um período longo que nos pegaram de surpresas e agora, estamos todos como Mandume, na linha de frente. Nossa história não terminará em avesso. Todos merecem o mesmo respeito e é o que temos para exigir. E como na história do capitalismo o negro sempre é marginalizado, devemos fazer como Mandume. Lutar pelo fim do racismo através da destruição do sistema vigente.


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