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A vida da mulher negra no Brasil

Para se falar de mulher negra no Brasil é necessário voltar ao início do período escravagista, quando homens, mulheres e negros eram submetidos ao trabalho escravo. As mulheres negras enquanto escravas eram consideradas objetos, da mesma maneira que os homens, e usadas para satisfazerem as necessidades e desejos dos seus senhores.

Com o fim da escravidão, muitas das mulheres negras, ex-escravas, continuaram a trabalhar nas casas dos senhores, porém sem os seus direitos regulamentados. Recebiam um salário irrisório, que muitas vezes era o único sustento de suas famílias. Não havia política para aqueles negros que acabavam de ganhar a alforria e essa população foi jogada, descartada nas ruas à própria sorte.

Hoje, vivemos resquícios da escravidão colonial. As mulheres pobres negras trabalham sem direito a descanso, em condições precárias e perigosas em troca de um valor irrisório que mal dá para a sua sobrevivência. A mulher negra vive sob o racismo e o preconceito: “te pago um salário, desde que você permaneça no seu lugar e abaixe a cabeça quando eu passar.”

Só mudar a cultura e os costumes sociais não transforma a estrutura escravagista que perdura na nossa sociedade. É preciso mudar o sistema inteiro, social e econômico, para então conseguir mudar a cultura. A mulher precisa ser valorizada e reconhecida dentro do sistema, o que o capitalismo patriarcal impede. Ela precisa de trabalho digno, salário igualitário, etc. Dentro das questões a serem resolvidas para as mulheres ainda temos as questões específicas da mulher negra. Para explicitar essas diferenças, o próximo tópico será sobre a experiência de vida de uma militante da Luta Popular e Sindical, Djenane Vera.


Ser negra e mulher


Ser mulher negra no Brasil é sempre enfrentar um obstáculo a mais que a mulher branca. Nascida por volta de 1970, em plena Ditadura Militar, preta? Parda? Negra? Pai negro, mãe branca. Na escola, a chamavam de “cabelo de bombril”, “neguinha”, “fedorenta”. Os irmãos repetiam esses mesmos xingamentos quando brigavam. Socialmente sabiam como ofender um preto. Eram racistas? Não, aprendiam dia-a-dia com a sociedade racista que tem medo do diferente e então o inferioriza e o escraviza.

Sentada entre as pernas da mãe aos cinco anos, sentia o pente duro e firme arrancar-lhe aos poucos os cabelos crespos. Aos sete, alisou-o. Era feia, preta, cabelo duro.

Nunca se viu negra; não tinha identidade; não se via na história nem na televisão, nem em lugar algum. Carregava em si as raízes da falsa abolição em plena Ditadura. Na escola, não entendia o que era ser negra, ainda que todos a gritassem: “Negra!”. Sem a menor referência sobre sua identidade, foi para a faculdade. Lá, a única negra na sala de aula, estudando arte de brancos, contada por brancos, para brancos.

Como fazer faculdade? Sem estrutura, até o entrar na faculdade era uma barreira sem fim. Medicina? Artes? Tinha que trabalhar para pagar a faculdade, os materiais, o lanche, as passagens e ainda ser a melhor aluna da sala, para tirar de sobre si aqueles olhares racistas preconceituosos que desde o primeiro dia de aula a rotulavam – negra, pobre, portanto, burra.

Só depois dos 30 anos descobriu que existe uma identidade negra forte e linda. Viu surgir políticas para as minorias. Como minorias se os negros são 54% da população brasileira? Valorização da cultura negra, ainda que pouco, foi o único pouco que conheceu. No Brasil não se nasce negro. No Brasil torna-se negro, reconhece-se negro a cada dia, a cada luta. Luta-se tudo que a mulher branca luta, porém luta-se uma luta a mais em todas as barreiras.


Luta além do racismo


Nascer em um país racista que possui 54 % de pessoas negras, considerado o quinto pior do mundo para se nascer mulher, e ter que lidar com ser negra. O ainda ser negra é quando, de acordo com pesquisas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), no ensino superior 17,4 % são mulheres e apenas 6% são mulheres negras.

De acordo com o IBGE, em 2012, 49,9% das mulheres brancas tinham empregos formais e as negras apenas 34% e ainda com salários inferiores. Segundo a plataforma Géledes, 62% de vítimas de morte por agressão são mulheres negras. A pesquisa ainda mostra que 43% das mulheres negras foram assediadas na rua, transporte público ou ambiente de trabalho, enquanto 35% das mulheres brancas sofreram esse tipo de assédio.

Qualquer mulher que passe por isso jamais sairá ilesa em sua vida social, cultural ou política. Temos que fazer da desigualdade e do racismo um grito de resistência e transformar a dor em luta.

Mudar essa realidade só será possível quando olharmos as complexidades da questão de gênero, dentro de uma perspectiva macro, “o sistema capitalista patriarcal”, e seus micros tentáculos, como as questões raciais. O racismo que ainda não foi abolido, quando não mata, extermina e traumatiza grande parte da população negra a cada minuto.


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