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Estatuto do Nascituro e PEC 29: o extermínio dos direitos das mulheres

Em tramitação desde 2007, O Estatuto do Nascituro, PL 478/2007, foi um Projeto de Lei que chegou a ter um parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas foi engavetado por ser considerado inconstitucional. Na realidade, a bancada evangélica não tinha uma base forte aliada no Congresso para aprovar a medida, que foi amplamente rechaçada pelos movimentos sociais. Porém, para manter Temer no poder, o Estatuto está sendo negociado como moeda de troca.

O projeto é apresentado, cinicamente, como tendo por objetivo “proteger” os direitos da personalidade do embrião e do nascituro (ser humano não nascido). Tais direitos se sobrepõem, inclusive, aos direitos da mulher (mãe), cidadão já constituída, como, por exemplo, no caso de uma gravidez fruto de uma violência sexual. O Projeto foi proposto pelos deputados Osmânio Pereira e Elimar Máximo Damasceno - PRONA (Partido de Reedificação da Ordem Nacional), mesmo partido do Enéas.

O Estatuto iguala o embrião (óvulo fecundado - o encontro dos gametas masculino e feminino) ao nascituro (ser humano já no contexto de uma gestação – feto). Ou seja, o conceito de nascituro de Projeto inclui o embrião, ainda que concebido in vitro e não transferido para o útero daquela que fará a gestação, e igual as expectativas de direitos entre um óvulo fecundado (inclusive daqueles que sequer foram gestados) com os de uma pessoa humana nascida e viva. De acordo com o parecer da Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), “cabe ressaltar que não se confundem nascituro e embrião: o primeiro diz respeito ao ser humano já no contexto de uma gestação, o segundo se refere ao material biológico proveniente da concepção, do encontro dos gametas masculino e feminino (...). A própria justificativa dos autores fornece a oportunidade de questionar a conveniência e a utilidade do Projeto de Estatuto do Nascituro, ao declarar a compilação de direitos (ou expectativas de direitos, como os próprios autores esclarecem) de uma pessoa humana em potencial que, nos termos do Estatuto, caso aprovado, seria equiparada à de uma pessoa humana nascida e viva. Certamente existem reflexos no que tange à legislação em vigor e questionamentos de ordem prática, mas uma das principais consequências da aprovação desse Projeto de Lei seria a de contrariar o ordenamento jurídico vigente ao atribuir direitos fundamentais ao embrião, mesmo que ainda não esteja em gestação, partindo de uma concepção equivocada de que o nascituro e o embrião humanos teriam o mesmo status jurídico e moral de pessoas nascidas e vivas”.

Nesses termos, o Projeto retrocede nos direitos femininos e prevê a proibição do aborto em todos os casos, inclusive quando a gravidez ameaça a vida da mulher ou em caso de estupro. Mesmo no caso do feto natimorto, no caso de anomalia, que inviabilize a vida extrauterina, o aborto não seria permitido. Também torna crime a pesquisa com células-tronco embrionárias, usadas em tratamentos de saúde. Além disso, o aborto vira crime hediondo (inafiançável), cumprido em regime fechado (prisão).

No caso de estupro, a mulher será obrigada a manter relações pessoais com o estuprador, dando a ele direitos e obrigações de paternidade como pagar pensão, constar na certidão de nascimento, conviver com a criança e, consequentemente, com a mãe. Ou seja, não bastasse ter sofrido um abuso sexual, as mulheres também serão coagidas pelo Estado a carregar no ventre as lembranças de tal ato, além de serem obrigadas a conviver com o agressor, dando-lhes “deveres” e, portanto, direitos sobre a criança. Tal medida remete as mulheres à condição de mero objetivo sexual e/ou aparelho reprodutivo, sem qualquer direito ou poder de escolha.

O Estatuto propõe ainda que o nascituro tenha “prioridade absoluta” no acesso às políticas públicas e que a menina/mulher violentada receba uma “bolsa-estupro”, de um salário mínimo, até os 18 anos, caso sobreviva ao parto.

Obviamente, a grande pressão dos movimentos sociais e da sociedade organizada fez com que o Estatuto não fosse aprovado. Os pontos citados, como a proibição de pesquisas com células-tronco, a equiparação do nascituro com o embrião e a quase proibição do uso de anticoncepcional são medidas totalmente inconstitucionais.  Isso sem falar na aberração que é a tentativa de proibir as manifestações públicas sobre o aborto, bem como os estudos a respeito do tema. Trata-se de um ataque brutal à liberdade de expressão, uma tentativa de impedir qualquer manifestação do contrário e, consequentemente, o impedimento de qualquer processo de mudança social, que se dá, necessariamente, pelo embate entre as forças contrárias. Pensando pela lógica dessa medida, ainda estaríamos vivendo no período da escravidão; do apartheid; das mulheres proibidas de dirigir, votar, usar calças etc.


Troca de favores de Temer com a bancada evangélica



A PEC 29/2015, que foi colocada em tramitação pela direita, pretende exatamente alterar a Constituição para que o Estatuto do Nascituro não tenha mais barreiras para ser aprovado.

A Proposta de Emenda Constitucional, altera o Artigo 5°da Constituição Federal, que reza hoje: “Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes...”. A PEC 29/2015 prevê uma alteração no seguinte trecho: “garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”. Ou seja, o grande entrave legal com relação ao Estatuto do Nascituro seria o fato dele ser inconstitucional. Ao modificar a Constituição e considerar o “direito à vida desde a concepção”, a PEC 29 abre todos os caminhos para a aprovação do Estatuto.

Essa proposta foi uma grande troca entre a Bancada do BBB (Bíblia, Boi e Bala) e o governo. Há toda uma pressão para que a frente parlamentar aprove medidas como a legalização da “grilagem”, aumento dos limites nas Áreas de Proteção Ambiental, demarcação de terras indígenas, o Estatuto do Desarmamento, etc. O Estatuto do Nascituro seria a “cerejinha do bolo”.

Não por acaso, o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), coordenador da Frente Parlamentar Mista da Agricultura, anunciou estes como “grandes avanços nas negociações com o governo Temer”. Em troca da aprovação das medidas que vão favorecer o imperialismo, a bancada evangélica, representando 80% do parlamento na votação para investigação de Temer, foi a grande responsável pela manutenção do PMDB na presidência.

Na mesma linha, o deputado Alan Rick (DEM-AC), membro da frente, afirmou que na volta do recesso, a bancada deve concentrar suas atenções para proposições ligadas à criminalização do aborto – mais especificamente o Estatuto do Nascituro. Segundo palavras do próprio deputado: “Já conversei com o presidente e ouvi que ele, pessoalmente, é contra o aborto. Por isso, estou confiante”.

No mundo, hoje, mais de 200 milhões de mulheres praticam o aborto. Destes, mais de 70 mil morrem por ano, na falta de assistência médica. Das mortes registradas, 95% são abortos praticados em condições inseguras e que acontecem em países onde o aborto é proibido por Lei.

No Brasil, esse número é mais alarmante. O país registra, por ano, aproximadamente 250 mil internações para tratamento de complicação de abortamento. Trata-se do segundo procedimento mais comum da ginecologia em internações. De acordo com dados da ONU, em 2013, mais de 65 mil mulheres morreram em função da prática clandestina.

Em conformidade com os dados, o médico especialista em obstetrícia, Jefferson Drezett, afirmou que: “(...) aborto clandestino e inseguro não são sinônimos. (...) E aí qual é diferença já que no Brasil o aborto é proibido por Lei? Depende se a mulher tem dinheiro para pagar por um aborto seguro, mas muito caro, ou se ela é pobre e vai procurar por métodos inseguros”.

Como se vê, os direitos das mulheres e, consequentemente, de mais da metade da população trabalhadora estão sendo arrancados. O que está em jogo não é “salvar as vidas dos inocentes”, pelo contrário. O congelamento dos gastos com a saúde pública por pelo menos 20 anos irá promover um verdadeiro extermínio da população pobre. O Estado burguês não está nenhum pouco preocupado com a “vida dos inocentes”, o que eles querem é arrancar todos os direitos da classe operária e, com isso, aumentar seus lucros. Atacar as mulheres e os negros, que representam mais da metade da classe operária, não só é necessário, como essencial. Se para isso tiver que assassinar milhares de “inocentes”, farão sem nenhum “peso na consciência”, como, aliás, tem ocorrido sempre, a exemplo das guerras mundiais, guerras nucleares, epidemias propositais etc.


Não à criminalização do aborto!

Direito ao aborto com atendimento no sistema público de saúde!

Não ao feminicídio de Estado!

Pela real emancipação das mulheres, pelo fim da sociedade de classes!


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