Uma expressão muito difundida nos espaços acadêmicos pelos setores “progressistas” das universidades públicas, é: “Precisamos fazer a universidade chegar ao povo”. Ela se tornou tão legítima quanto inócua, afinal, se a universidade pública é um direito da população que a sustenta, porque alguns privilegiados deveriam “levá-la” até ela? Essa aparente incongruência tem raiz no caráter burguês do pensamento acadêmico, que nega a luta de classes e, portanto, legitima a ideologia da dominação burguesa.
Ao escrever, em 1902, a obra “O que Fazer?”, Lenin dedicou um capítulo ao problema da crítica burguesa a todas as ideias fundamentais do marxismo, feita pelos partidos da social-democracia, que se transformavam de partidos da revolução social em partidos social-reformistas burgueses. Segundo ele, tal crítica “negou a teoria da luta de classes supondo que não é aplicável a uma sociedade estritamente democrática, governada conforme a vontade da maioria, etc.” De acordo com o líder da revolução proletária na Rússia, isso se deu em consequência de décadas de educação das classes ilustradas, nas tribunas políticas e nas cátedras universitárias, baseada nessa crítica.
Meio século após a Revolução de 1917, o movimento conhecido por “Maio de 68”, iniciado na França, em suas contradições inseriu o marxismo nos currículos e programas oficiais de ensino na Europa ao mesmo tempo em que reacendeu a crítica ao marxismo como forma de negar a influência stalinista nos Partidos Comunistas do mundo todo. O movimento, por ter como protagonistas os estudantes, intelectuais e jovens, fortaleceu a concepção de que a luta de classes deveria deixar de ser a única chave para se interpretar a História. Uma ideia atraente quando o que está em jogo são apenas discursos utilizados pelos diferentes segmentos da intelectualidade acadêmica na disputa por espaços no interior da ideologia burguesa. Porém, para levá-la adiante, foi preciso “negar o fato da crescente miséria, da proletarização e da exacerbação das contradições capitalistas”. Ao relativizar o marxismo, muitos entusiastas do “Maio de 68” não puderam prever que a exploração capitalista voltaria às suas formas originais, assim que a economia global entrasse em colapso, fazendo a democracia reformista “virar pó”.
A universidade choca o ovo da serpente
O moralismo burguês, defensor do respeito à diversidade de ideias, encontra seu paradoxo, por exemplo, nos eventos acadêmicos sobre o projeto Escola Sem Partido, quando membros ou apoiadores do MBL (Movimento Brasil Livre) são acolhidos no debate. Os doutores universitários ensinam seus pupilos a debater com fascistas, o que comprova a distância entre as práticas acadêmicas e a vida real. Jovens do MBL representam um grupo organizado e financiado pelo imperialismo para fazerem o papel de “idiotas úteis”. Eles entrarão nas escolas para atacar, inclusive fisicamente, professores progressistas e estudantes em luta pela educação pública, como têm ocorrido em várias partes do País. Um elemento do fascismo não pode ser acolhido em nome de algo que abomina, que é o respeito à pluralidade de ideias. Professores da Universidade Estadual de Londrina, por exemplo, chegaram a promover um debate na rádio universitária sobre o projeto Escola Sem Partido dando voz ao MBL local. Hoje, o representante do movimento “Endireita Londrina”, que ganhou respeito na universidade e elegeu-se vereador, é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal e responsável pelo encaminhamento de vários professores às delegacias de Polícia.
Pluralidade de ideias com unicidade de partido?
Os debates universitários sobre o movimento Escola Sem Partido revelam que o pensamento acadêmico não se opõe a ele, pois, na sua maioria, os doutores palestrantes preocupam-se com o cerceamento da liberdade de expressão, mas sempre com a ressalva contra uma possível militância de esquerda entre os professores da educação básica, a quem desconhecem por completo. Apegam-se ao social-reformismo para denunciar a inconstitucionalidade dos projetos em tramitação, mas acusam as práticas panfletárias de “antipedagógicas”, fingindo ignorar que a educação pública é um espaço privilegiado da panfletagem e do discurso do partido que está no poder. Compactuam, assim, com os objetivos reais do projeto Escola Sem Partido que é calar e reprimir professores e estudantes que lutam pela educação pública e, principalmente, evitar as ocupações de escolas.
O povo deve tomar a universidade pra si
A juventude estudantil é o único setor com condições de enfrentar a crise das universidades públicas, que tem sua raiz no desmonte dos serviços públicos promovido pelo imperialismo, em escala global. Com o sucateamento acelerado das universidades brasileiras, vemos a total desmoralização de burocratas acadêmicos que ascenderam socialmente através da construção de currículos pessoais, enquanto difundiam a ideologia burguesa como imperativo para a organização social. Agora eles tentam, em vão, analisar o avanço da extrema direita através das teorias conservadoras criadas para negar o papel da luta de classes como motor da História. É o caso das teorias sobre “as opressões”, impostas sob influência das universidades norte-americanas, que negam a base material da opressão e dividem a luta da classe trabalhadora (negros, mulheres, LGBTs).
Os grupos mais oprimidos da sociedade devem ter suas reivindicações específicas fortalecidas no interior da luta maior dos trabalhadores pela tomada do poder. Porém, as teorias acadêmicas transformam o respeito às diferenças em barreira de contenção ao negar os conflitos de classes. Por exemplo, para o feminismo característico da esquerda pequeno burguesa universitária, a questão da opressão feminina será resolvida através de mudanças comportamentais e nos marcos da legislação burguesa. Ao não enxergarem a base material da opressão, colocam a questão de gênero acima da questão de classe, tornando-se aliada do feminismo burguês e imperialista, que disputa poder no sistema capitalista.
A total paralisia do movimento estudantil, ou seja, da parcela da classe trabalhadora que deveria ser a mais combativa, dada a rebeldia característica da juventude, se explica, em grande parte, pela influência das teorias acadêmicas. Diante da inserção de jovens das camadas populares nas universidades nos últimos anos, essas teorias cumpriram o papel de evitar a conscientização para a verdadeira luta pela educação pública como direito de todos, que é a luta pela destruição do capitalismo. Com o movimento estudantil e docente estagnados, a privatização está prestes a dominar o sistema educacional brasileiro gerando desemprego, precarização do trabalho, atraso tecnológico e miséria.
A Lei da terceirização irrestrita; as reformas trabalhista e da Previdência; as parcerias público privado, associadas ao “novo plano nacional de educação” etc. vão cristalizar as condições para o ataque total à educação pública. Os estudantes devem tomar o controle da UNE e iniciar uma verdadeira luta, em unidade com a classe trabalhadora.
Pela estatização, sem indenização, das escolas e universidades privadas e controle coletivo pela comunidade que estuda e trabalha.