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Uruguai: início do ensino público nas Américas

A educação uruguaia tem destaque em qualidade no ensino devido ao reconhecimento e a atenção dada pelo governo. O País foi pioneiro em relação a todos os outros países das Américas ao garantir uma educação primária, universal, gratuita e obrigatória com a “Lei de Educação Comum”, criada em 1877, tendo como espelho o padrão da educação francesa.

O sistema de ensino foi dividido em três fases: primária, secundária e superior. O Instituto Nacional de Educación Técnica (INET) se tornou extensão de ensino secundário. O Uruguai, no começo do século XX, passou pelo que se pode definir de “estado de bem-estar social”, que começou a declinar depois da segunda metade do mesmo século.

Gradativamente, as instituições ganharam força e os ramos educacionais ganharam autonomia administrativa, inclusive controle sobre seus recursos financeiros, fato ocorrido em 1950. Em 1958, foi garantido autonomia política aos institutos de ensino, através da “lei da universidade orgânica”, após aprovação da Lei os Professores. A partir daí, os funcionários e alunos poderiam eleger o grupo de gestão para a Universidad de la República (única universidade do país na época).


Proibição do pensamento

Porém, em 1973, sob o controle militar (que iria se estender até 1985), iniciou-se diversas mudanças no modelo educacional.  Em primeiro lugar, devido à alta politização dos estudantes e professores, foi dado início a uma série de ataques que visavam a “higienização do sistema”, a partir da supressão da liberdade política e da livre gestão das instituições acadêmicas. Além disso, alguns cursos foram fechados como, por exemplo, as ciências sociais. Diversos professores foram demitidos das escolas secundárias públicas e da Universidad de la República, fazendo com que alguns tentassem emprego nas instituições de ensino privado, embora a maioria deles optassem por sair do País por conta da perseguição que sofriam.

A qualidade do ensino público sofreu uma forte queda, entrando em crise. A saída de professores extremamente capacitados, substituídos por profissionais sem capacitação equivalente, piorou o ensino. Em seguida, foi criado o Consejo Nacional de Educación (CoNaE) que seria responsável por mais alterações.

Outras mudanças foram feitas no sistema de educação público, gratuito e obrigatório. Houve o aumento de seis para nove anos, que causou uma reação imediata nos estudantes, conforme desejada pelos setores reacionários: o número de matriculados caiu de maneira generalizada. Em Montevidéu (capital do Uruguai), 50% dos matriculados abandonaram o curso. No interior, a situação era pior: o índice de evacuação nos cursos acadêmicos chagavam a 70% dos matriculados. Os fatores que levaram a esse abandono drástico foi, principalmente, a enorme baixa da qualidade do ensino e o aumento súbito do tempo em sala de aula.


Sucatear o público, fortalecer o privado

O investimento da educação, no Uruguai, passou de 12,2% do PIB para 7,3%. Esse corte, por si só, gerou uma grande perda na garantia da qualidade do ensino. Houve perda, também, na garantia da total inclusão do povo na educação. O regime militar jogou para o escanteio as escolas secundarias e superiores, sucateou o ensino acadêmico com uma mão, ampliou e fortaleceu os institutos técnicos com a outra. Assim, maximizavam os investimentos para ampliação da estrutura e propaganda do INET, que de coadjuvante do ensino público, passou para o papel de “protagonista” da educação.

No tempo em que se registrou a “fuga em massa” das escolas secundaristas acadêmicas, pôde-se observar o aumento vertiginoso nas escolas técnicas (INET). Enquanto o abandono das escolas públicas secundárias acadêmicas era de 70% nos interiores, em Montevidéu esse número era de 50%. Na capital, as matrículas nos INET, no mesmo período, eram de 66% de aumento no número de alunos e 27% de novos inscritos nos institutos técnicos.

Essa migração dos estudantes do setor acadêmico para o técnico gerava também o abandono do ensino público. Durante esse período, as desistências eram de 50% e a proporção de estudantes se graduando na Universidad de la República caiu 8%. Se não bastasse todo esse sucateamento, os militares desferiram outro forte golpe contra o ensino público, uma metodologia simples que ainda é utilizada para entregar de bandeja o Estado para o grande capital: “sucatear a educação para depois privatizar”.

A partir daí, entregou-se formalmente o status de universidade para a Escola Católica, instituição privada que estava em plena expansão, derrubando o monopólio que o Estado tinha na formação superior. Os militares destruíram o ensino público uruguaio e serviram de catapulta a serviço do ensino privado. Sob o governo de Jorge Batlle, a educação continuou sem investimentos e políticas que promovessem a permanência e o aumento da população acadêmica. Tudo caminhou sem muitas alterações e o ensino teve um declínio financeiro nessa época devido à crise da Argentina. Por ser seu principal parceiro de negócios, inclusive no turismo, com a recessão, o Uruguai perdeu 53,9% de suas reservas internacionais líquidas, passando de US$ 2,926 bilhões para US$ 1,35 bilhão, de acordo com os dados do Banco Central do Uruguai (BCU).  A sangria de reservas foi provocada pela venda de divisas e empréstimos ao governo do presidente Jorge Batlle.

Assim, permaneceu a crise no Uruguai até o governo de Mujica, que em sua campanha para presidente, em 2010, enfatizou a necessidade de investimentos na educação. Embora tenha obtido algumas melhoras, no fim de seu governo, o próprio Mujica admitiu não ter resolvido a situação da educação e do grande abandono das escolas pelos estudantes. Isso se deve ao fato de que a política de conciliação de classe não conseguiria resolver um problema tão profundo. A estrutura política, econômica e social precisaria ser mudada para, assim, garantir que todos tenham acesso à educação e consigam concluir suas formações.

Enquanto o ensino for visto como uma ferramenta de extrair lucro, ela nunca será inclusiva; enquanto as formações forem apenas uma forma de preparar os indivíduos para o mercado de trabalho ao invés de formar pessoas para a melhoria da sociedade, a educação nunca será livre; enquanto o capitalismo permanecer como política, o povo nunca será livre.


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