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Atletas americanos protestam contra Trump

Protestos durante o hino nacional dos EUA nos jogos da liga de futebol americano tiveram início a pouco mais de um ano, protagonizados pelo quarterback Colin Kaepernick, que iniciou tal polêmica para manifestar-se contra os recorrentes casos de violência policial a jovens negros e contra as injustiças raciais existentes no país. Desde então, durante eventos esportivos, o solitário gesto ganhou muitos adeptos e tornou-se uma forma de protesto contra a brutalidade policial e as injustiças sociais e raciais. A partir daí, a polêmica não parou de crescer e ocupou o centro da atenção nas mídias e nas redes sociais, principalmente depois que o furacão Donald Trump sugeriu que os torcedores deixassem os estádios diante dos protestos, além de pedir a demissão dos atletas rebeldes. Não foi apenas no futebol americano que os protestos se concentraram. Grandes ídolos da NBA (liga profissional de basquete) como Stephen Curry, principal astro do Golden State Warriors, atual campeão da liga, estrelas como Draymond Green, Chris Paul e LeBron James, um dos maiores jogadores de basquete da história, fizeram declarações abertas contra Trump, repudiando veementemente as opiniões do republicano.


Protestos históricos no esporte



O fato de grandes nomes do cenário esportivo dos EUA se posicionarem politicamente em relação a questões polêmicas que afligem a sociedade americana é um fator recorrente na história recente da América do Norte. Não é de hoje que atletas renomados fazem uso da sua popularidade para se manifestarem, questionando lideranças políticas, o Estado e até mesmo o sistema, chamando a atenção da população para os problemas sociais e raciais do país. Na década de 1960, o ícone do boxe mundial e da desobediência, Muhammad Ali, foi vilipendiado em sua cidade natal e rejeitado em restaurantes por ser negro, apesar de ter conquistado o ouro nos Jogos Olímpicos de Roma. Depois de ter se recusado a lutar pelos EUA na Guerra do Vietnã, Muhammad Ali foi destituído de seus títulos e preso durante um curto período, sendo considerado um traidor da pátria por muitos americanos. Só o tempo o reconciliaria novamente com seu país e o elevaria à condição de herói do esporte. Outro exemplo de contestação e protesto foram as atitudes de Tommie Smith e John Carlos, dois atletas negros americanos que, sobre o pódio dos Jogos Olímpicos da Cidade do México, em 1968, ao tocar o hino americano, baixaram ligeiramente a cabeça e ergueram, desafiadoramente, um dos braços com a luva preta, na saudação consagrada pelos Panteras Negras, um grupo que fez história no combate à discriminação racial nos Estados Unidos. O Comitê Olímpico Internacional condenou severamente o gesto, sob a alegação de que esporte e política não combinavam. A mídia americana criticou intensamente Smith e Carlos e a revista Time sublinhou a “raiva e a feiura” do protesto. A federação americana de atletismo suspendeu os dois e, de volta aos Estados Unidos, Smith e Carlos acabaram relegados ao ostracismo pelas autoridades - brancas, naturalmente - que comandavam o atletismo americano. Com o passar do tempo, os dois foram reconhecidos e elevados à condição de heróis e hoje têm uma estátua no Museu Afro-americano, em Washington.


Trump desagrada atletas e donos dos times



A vitória de Donald Trump na disputa presidencial, somada ao conjunto das absurdas declarações racistas, xenofóbicas, machistas e contrárias a direitos das pessoas LGBTs, fez um grande número de esportistas tomarem posição e se manifestarem, com maior vigor no terreno político, contra as bravatas do presidente falastrão. A declaração do líder maior dos Estados Unidos exigindo que os jogadores da NFL (liga profissional de futebol americano) que se recusavam a ficar de pé, ou cantar o hino nacional, deveriam ser expulsos de campo e demitidos, gerou revolta nos atletas da liga e os protestos foram repetidos em diversos jogos. Dezenas de jogadores, brancos e negros, se ajoelharam ou cruzaram os braços antes ou durante o hino e foram acompanhados por diversos donos de equipes. Até o paquistanês Shad Khan, dono dos Jaguars, time da NFL, doador de cerca de um milhão de dólares à campanha de Trump, contraditoriamente, também cruzou os braços. Outras equipes decidiram entrar em campo somente após a execução do hino nacional. Ocorreram protestos em diversos jogos e localidades e a Associação de jogadores da NFL (NFLPA) também se posicionou contra as declarações de Trump. Sentindo-se ultrajados, os esportistas decidiram que o mais patriótico era protestar e não o contrário. Foi um clamor vigoroso em uma liga esportiva que atrai milhões de pessoas e gera bilhões de dólares em lucro, na qual 70% dos jogadores são negros, mas onde todos os donos – muitos deles amigos de Trump – são brancos e, na sua maioria, conservadores. A NFL e seus proprietários são os líderes do establishment e do patriotismo, donos de um negócio que gira cifras na escala de bilhões de dólares. Muitos são amigos de Donald Trump e não estão ficando loucos ao darem as costas ao presidente. Eles fazem isso porque estão muito descontentes com as atitudes desmedidas de Trump, que irritam e desmotivam seus jogadores, podendo desestabilizar e prejudicar seus negócios tão lucrativos. Robert Kraft, dono dos New England Patriots, vencedores do último Super Bowl, uma pessoa muito próxima do líder republicano, declarou: “Não há maior unificador neste país do que o esporte e, infelizmente, nada mais divisor do que a política”.  Trump espera, com suas polêmicas polarizadoras, distrair sua base de eleitores dos problemas na Casa Branca, mas a manobra pode se tornar contraproducente e diminuir ainda mais a sua legitimidade quando a NFL e outras ligas poderosas colocarem o presidente na mira do “fogo amigo”.

Em meio a essa polêmica marcada por controvérsias e contradições sobre o respeito aos símbolos nacionais e à liberdade de expressão, onde o gesto de ajoelhar durante o hino dos Estados Unidos tornou-se um sinal de protesto contra as injustiças sociais e raciais que sempre marcaram a sociedade norte-americana, se escondem nas entrelinhas, mais uma vez, os escusos interesses financeiros e capitalistas da indústria do esporte.


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