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A Era de Ouro dos Festivais nos Anos de Chumbo

A Ditadura Militar no Brasil, entre os anos de 1964 a 1985, assumiu o controle político, econômico e social do País através de um golpe orquestrado e financiado pelo imperialismo norte-americano e pelo empresariado nacionalista burguês. Durante esse período, foi imposta uma brutal violência, censura, repressão, prisão, exílio, tortura, assassinato e diversas outras formas de coerção da sociedade. O governo silenciou de forma cruel, arbitrária e desumana, todos os que fossem contra a Ditadura e que pudessem exercer qualquer ação “conscientizadora” a respeito da realidade brasileira e suas contradições.

Isso ocorreu de forma intensa, também, contra os movimentos culturais, por causa de seus mecanismos de fusão e disseminação de ideais e pelo seu poder de arrebatar uma grande massa populacional. Entre as diversas frentes artísticas e culturais de oposição à Ditadura destacam-se os grandes Festivais da Canção, meio onde compositores, cantores, poetas, intelectuais, músicos e diversos outros artistas usavam, de maneira criativa, para criticar, denunciar e protestar contra os abusos daquele regime ditatorial.


“É proibido proibir”



Na década de 1960, a televisão se consagrava como principal meio de comunicação, levando para as telas os jovens músicos brasileiros, que eram a grande sensação do momento. Porém, a Ditadura Militar passou a retirar, progressivamente, os direitos e a liberdade de expressão dos cidadãos brasileiros e para confrontar essas arbitrariedades, muitos artistas como Geraldo Vandré, Chico Buarque, Edu Lobo, Gilberto Gil, entre outros, utilizaram os festivais para cantar seus protestos. Um episódio muito marcante aconteceu no Festival Internacional da Canção, de 1968. Inspirado nos escritos dos muros de Paris, que em maio de 1968, foi sacudida por grandes manifestações de jovens em busca de maiores liberdades e um menor conservadorismo na política e na sociedade francesa, Caetano Veloso apresentou, acompanhado do grupo “Os Mutantes”, a música “É proibido proibir”. Um claro e direto protesto, não só aos militares e à Ditadura, mas também ao conservadorismo da sociedade brasileira da época.

A apresentação não agradou e o público presente não aceitou a proposta estética tropicalista, cheia de poluição sonora, fruída, uma proposta de criação bem fora do convencional. Mas em 1968, quem estava procurando ser agradável? O que valia mesmo era se posicionar e mostrar a insatisfação com o sistema político vigente. As vaias foram ensurdecedoras, objetos foram atirados ao palco, mas Caetano não deixou por menos. Bradou um forte discurso que refletia os sentimentos daquele momento, a necessidade de reavaliar o cenário político e o comportamento dos jovens e da sociedade. Era a quebra da estética musical, eram os sons da repressão, era uma nova batalha que se estabelecia. Não adiantava nada protestar e continuar o mesmo. Eram novos ares de mudança que estavam sendo propostos pelos tropicalistas.

“Vocês estão por fora. Vocês não dão para entender. Mas que juventude é essa?

Vocês são iguais sabem a quem? Sabem a quem? Aqueles que foram na Roda Viva

(peça de teatro) e espancaram os atores. Não diferem nada deles”. (trecho do discurso de Caetano Veloso durante o Festival Internacional da Canção, de 1968)



Os festivais da canção (1965-1972)



Os festivais, promovidos pelas emissoras de TV da época, permitiram que a música entrasse na casa das pessoas pela televisão e acabaram se transformandofestival2 em palco de protestos políticos. O surgimento da Tropicália e o uso de metáforas para protestar contra o regime político ou a violência policial que solapava o Brasil fez com que a Ditadura passasse a controlar os festivais, que eram parte importante do entretenimento das pessoas naquele período.

Cantar tinha virado atividade de risco, compor, mais ainda, já que a censura baixava seu carimbo ameaçador sobre aqueles que se insurgissem contra o regime militar por meio de metáforas para combater a linha dura, os abusos de autoridade e as torturas. “Qualquer solto som pode dar tudo errado”, alertou o letrista Paulo César Pinheiro no poema “Cautela”. “É um tempo de guerra, é um tempo sem sol”, cantava Maria Bethânia na canção de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri.

Esse foi o tempo de Chico Buarque, Caetano Veloso, Os Mutantes, Wilson Simonal, Odair José, Maria Bethânia, Os Incríveis, Roberto Carlos, Elis Regina, Taiguara, Nara Leão, Raul Seixas, Edu Lobo, Jair Rodrigues, Gilberto Gil, MPB 4, Milton Nascimento, Sidney Miller, Gal Costa, Beth Carvalho, Ivan Lins, Gonzaguinha e Geraldo Vandré entre outros tantos talentos.

Dessa miscelânea sonora, surgiu a MPB, sigla que define a nossa música popular brasileira, fundamentalmente eclética e socialmente reconhecida como de altíssima qualidade. Entre violões quebrados e “campeões morais”, aqueles cujas músicas viraram hinos sem ter vencido os Festivais, recuperaram a voz, a esperança e a liberdade. A grande novidade daquela década, com o aparecimento dos festivais, foi uma nova forma de se posicionar diante da música. A disposição generalizada de fãs e ouvintes em defender, com urros e vaias, suas canções preferidas, seus artistas prediletos, seus ídolos musicais, somou-se a uma incontrolável vontade de mudança e um engajamento político inédito.

Entre 1º de abril de 1964 e 15 de março de 1985, quando o primeiro presidente civil tomou posse, após 21 anos de governos de farda, nunca se aplaudiu nem nunca se vaiou um artista como naquela época e, principalmente, nunca se cantou tanto a necessidade de novos tempos, tempos de esperança, tempos de resistência, tempos de liberdade. Passaram as censuras explícitas, os abusos e as violências generalizadas. Ficaram as grandes canções para serem lembradas, ouvidas, apreciadas, compreendidas e cantadas.


Músicas que marcaram a era dos festivais



Arrastão (Edu Lobo e Vinícius de Moraes)

Intérprete: Elis Regina

A Banda (Chico Buarque)

Intérprete: Nara Leão

Disparada (Théo de Barros e Geraldo Vandré)

Intérprete: Jair Rodrigues

Roda Viva (Chico Buarque)

Intérprete: Chico Buarque

Ponteio (Edu Lobo e Capinan)

Intérprete: Edu Lobo e Marília Medalha

Sabiá (Tom Jobim e Chico Buarque)

Intérprete: Tom Jobim

Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores (Geraldo Vandré)

Intérprete: Geraldo Vandré

BOX: Atualmente, devido às contradições do capitalismo, à ruína do sistema político, ao desenrolar do golpe e ao endurecimento do sistema, surgem novas frentes de agitação e luta no movimento cultural brasileiro.

O I Festival Sindical da Canção abre um novo período de questionamentos e resistência aos ataques contra os direitos dos trabalhadores no movimento cultural.


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