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Apenas um rapaz latino americano muito talentoso e sem dinheiro no banco

A Ditadura Militar brasileira, nas décadas de 1960 e 1970, tentou silenciar não só os militantes contrários aos seus excessos e abusos, mas, também, toda uma geração de artistas engajados que fazia de suas artes verdadeiras armas de luta contra o imperialismo.

Na música, um dos grandes expoentes desse engajamento foi o cantor, compositor e poeta, Belchior, que morreu no último dia 30 de abril, aos 70 anos, em Santa Cruz do Rio Grande do Sul.

Nascido em Sobral (Ceará), no dia 26 de outubro de 1946, Antônio Carlos Belchior, mais conhecido simplesmente como Belchior, foi, na infância, cantador de feira e poeta repentista. Estudou música coral e piano com Acácio Halley. Seu pai, Otávio Belchior Fernandes, tocava flauta e saxofone e sua mãe, Dolores Gomes Fontenelle Fernandes, cantava no coral da igreja. Tinha tios poetas e boêmios. Ainda criança, recebeu influência dos cantores do rádio Ângela Maria, Cauby Peixoto e Nora Ney. Foi programador de rádio em sua cidade natal. Em 1962, mudou-se para Fortaleza, onde estudou filosofia e humanidades. Começou a estudar medicina, mas abandonou o curso no quarto ano, em 1971, para dedicar-se à carreira artística.



Uma carreira marcada por grandes sucessos



Com uma riquíssima obra, Belchior começou a fazer sucesso em meados dos anos 60, vencendo festivais de música e gravando discos considerados pilares da música popular brasileira. 

De 1965 a 1970, apresentava-se em festivais de música no Nordeste. Em 1971, quando se mudou para o Rio de Janeiro, venceu o IV Festival Universitário da MPB, com a canção Na Hora do Almoço, cantada por Jorge Melo e Jorge Teles. Foi com essa música que estreou como cantor em disco, um compacto da etiqueta Copacabana. Em São Paulo, para onde se mudou, compôs canções para alguns filmes de curta metragem, continuando a trabalhar individualmente e, às vezes, com o grupo do Ceará.

Em 1972, Elis Regina gravou sua composição Mucuripe (com Fagner). Atuando em escolas, teatros, hospitais, penitenciárias, fábricas e televisão, gravou seu primeiro LP em 1974, na gravadora Chantecler. O segundo, Alucinação (Polygram, 1976), consolidou sua carreira, lançando canções como Velha Roupa Colorida, Como Nossos Pais (que depois foram regravadas por Elis Regina) e Apenas um Rapaz Latino-americano. Graças a esses sucessos, Alucinação vendeu 30 mil cópias em apenas um mês. Outros êxitos incluem Paralelas (lançada por Vanusa) e Galos, Noites e Quintais (regravada por Jair Rodrigues). Em 1979, no LP Era uma Vez um Homem e Seu Tempo (Warner), gravou Comentário a Respeito de John (homenagem a John Lennon), também gravada pela cantora Bianca. Em 1983, fundou sua própria produtora e gravadora, Paraíso Discos, e em 1997 tornou-se sócio do selo Camerati. Sua discografia inclui Um show – Dez Anos de Sucesso (1986, Continental) e Vício Elegante (1996, GPA/Velas), com regravações de sucessos de outros compositores. 

Belchior consolidou seu trabalho com letras que se aproximam das artes, da filosofia e da literatura e que retratam, em suas canções, os diversos grupos marginalizados pela sociedade - pretos, pobres, estudantes, índios, nordestinos, retirantes, prostitutas e os artistas que ele fez questão de incluir nessa lista, mas também fala do desejo das pessoas de ficarem à margem da sociedade. 



Controvérsias



Em 2005, Belchior separou da sua então esposa, Ângela, para viver com Edna Prometheu, depois de conhecê-la no ateliê de Aldemir Martins, um amigo comum. Posteriormente, Belchior deixou de fazer shows e abandonou bens pessoais. Enfrentou processos judiciais relacionados às pensões alimentícias de duas filhas e um processo trabalhista. Devido a esses processos, Belchior teve suas contas bancárias bloqueadas e estava impedido de retirar o dinheiro relativo aos direitos de suas músicas. O cantor se encontrava em Porto Alegre, onde morou em hotéis, casas de fãs e até mesmo em uma instituição de caridade.

Em 2009, a imprensa noticiou um suposto desaparecimento do cantor. Segundo a Rede Globo, Belchior havia sido visto pela última vez em abril de 2009, ao participar de um show do cantor Tom Zé, realizado em Brasília. Turistas brasileiros afirmam terem-no visto no Uruguai, em julho do mesmo ano. As suspeitas foram confirmadas quando Belchior foi encontrado no Uruguai, de onde concedeu entrevista para o programa Fantástico, da Rede Globo. Na entrevista, o cantor revelou que não havia desaparecido e estava preparando, além de um disco de canções inéditas, o lançamento de todas as suas canções também em espanhol.

Em 2012, ele novamente desapareceu, juntamente com a sua esposa, de um hotel luxuoso, na cidade de Artigas, no Uruguai. Deixou para trás uma dívida de diárias e pertences pessoais. Ao ser identificado passeando por Porto Alegre, afirmou que as noticias sobre a dívida no Uruguai não seriam verdadeiras.

Mais recentemente, Belchior virou tema dos noticiários por seu suposto desaparecimento.

Talvez Belchior tenha preferido sair das margens, sair da cena mainstream e seguir seu caminho fazendo apenas música e sendo um rapaz latino americano sem dinheiro no banco. Talvez seja difícil para os que não vivem a contra-cultura e estão acostumados ao seu mundinho pequeno burguês entender esses valores que passam ao largo do capital e do imperialismo dominante no mundo.

Talvez Belchior só quisesse sossego, viver em paz, longe da mediocridade desse mundo musicalmente sujo e cruel.


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