O colapso capitalista de 2008 sinaliza o alto grau de parasitismo da economia mundial. Os grandes conglomerados monopolistas se encontram totalmente imersos na especulação financeira e cada vez mais dependem da injeção de recursos públicos para não irem à bancarrota. Essa situação provoca o endividamento cada vez maior dos Estados burgueses devido a emissão de dinheiro sem lastro na economia real. Os fatores que levaram à crise de 2008 continuam presentes e a tendência é de que haja um novo colapso, ainda maior, num futuro mais ou menos próximo.
Sabe-se que toda crise de grandes proporções tem como consequência um aumento das contradições entre os diferentes setores da burguesia mundial. Assim, como perspectiva, similar à crise desencadeada pelo crash da bolsa de Nova Iorque, em 1929, a solução para a crise seria a destruição de enormes quantidades de forças produtivas, com uma guerra total, em larga escala, para que, a partir da reconstrução futura, haja um novo ascenso da economia capitalista e um novo reordenamento geopolítico.
Como preparação para esse enfrentamento é necessário que se imponha, em escala mundial, regimes políticos que direcionem a sociedade para a direita, com um giro da economia para a produção de materiais bélicos, um maior controle social e um discurso xenófobo, antiterrorista, “contra” a corrupção, contra a esquerda e pseudonacionalista.
Para o sucesso dessa empreitada, de obter um maior fôlego para o sistema capitalista, é determinante que seja anulada a possibilidade de reação da classe operária, pois é óbvio que as mazelas, os “efeitos colaterais”, recairão sobre os trabalhadores.
Semelhantemente à década de 1920 e, principalmente, de 1930, onde prosperaram regimes políticos de tipo fascista, como preparação da sociedade para desembocar na Segunda Grande Guerra, hoje há um crescimento da direita como resposta à falência do neoliberalismo e para desequilibrar a luta entre dos diferentes setores burgueses que estão em disputa entre si.
Exemplo bem claro disso é o crescimento dos partidos políticos da extrema direita nas principais potências mundiais. A “surpreendente” vitória de Donald Trump, nos EUA; o crescimento da Frente Nacional de Marine Le Pen, na França; a vitória do Brexit, selando a saída da Grã-Bretanha da União Europeia e a AfD (Alternativa para a Alemanha), partido de extrema direita que tem como eixo a política de anti-imigração.
Não sem contradições, os grandes monopólios capitalistas avançam na política de implantar regimes fascistas. Esse tipo de regime é a resposta que o capital financeiro promove no enfrentamento da crise econômica e a possibilidade de um levante operário, que consiste na mobilização da pequena burguesia e do lumpesinato em geral para derrotar a classe operária e as suas organizações democráticas. Isso ocorre por meio de enfrentamentos de rua com métodos de guerra civil, para estabelecer um Estado totalitário que suprimirá não só a democracia operária como também todas as liberdades democráticas.
O fenômeno fascista surge como consequência da nova realidade mundial a partir da transição do sistema capitalista de modelo liberal para o monopolista, na virada do século, com a consequente polarização da disputa dos diferentes setores, o que também revelou um esgotamento do regime democrático-burguês.
A Primeira Grande Guerra e a Revolução Russa são marcos de abertura de uma nova época histórica. O freio no desenvolvimento das forças produtivas provoca a miséria das massas que entram em ação revolucionária. No período de 1917 a 1923 acontecem inúmeros levantes revolucionários que, com exceção da Rússia, são derrotados. Por exemplo, na Alemanha, Hungria, China, Turquia, etc. Essas revoluções foram derrotadas devido a falta de uma direção revolucionária que levasse o movimento à vitória. Na Rússia, o partido Bolchevique tomou o poder.
A burguesia, com medo de que a classe operária lhe tomasse o poder pela violência, aproveitou a conjuntura desfavorável após essas derrotas e respondeu com selvageria, mobilizando a pequena burguesia para, com métodos de guerra civil, derrotar a organização dos trabalhadores e instaurar uma ditadura feroz, como guardiã dos lucros capitalistas monopolistas.
O primeiro triunfo do fascismo foi na Itália. Nesse país, logo nos três anos depois da guerra, produziu-se um forte ascenso operário e camponês. Em 1919, há uma onda de ocupações de terras, pressionando pela Reforma Agrária. No Norte, o movimento grevista era muito forte. E, no mesmo ano, os socialistas venceram as eleições por ampla maioria de votos.
Benito Mussolini cria um grupo paramilitar chamado “Camisas negras”, apoiado pelos latifundiários, grandes burgueses urbanos e setores da classe média, que enfrentou os trabalhadores nas ruas para “preservar” a “ordem e a paz”. Em 1921, funda o Partido Nacional Fascista e, em 1922, torna-se o Primeiro Ministro da Itália. De 35 deputados em 1919, cresce para 403, em 1924. Em 1925, Mussolini amplia seus poderes se tornando chefe de governo. Suspendeu o direito de greve e dos partidos políticos, estabeleceu censura à imprensa e criou uma polícia política, tornou o catolicismo como religião oficial do Estado e criou uma nova política educacional fascistas para as crianças.
A consolidação do fascismo acontece com a vitória de Hitler, na Alemanha, que impõe uma derrota sobre a vanguarda da classe operária mundial na época, o proletariado alemão.
A Alemanha, derrotada na Primeira Grande Guerra, teve que se submeter aos ditames do Tratado de Versalhes: perde a soberania, o exército, as colônias e tem que pagar uma indenização de guerra. A situação insustentável da crise do pós-guerra desembocou na Revolução de novembro de 1918, onde os operários e soldados, organizados em conselhos, derrubaram o Kaiser, aboliram a monarquia e instauraram a república parlamentar. Em 11 de agosto de 1919, é aprovada a nova Constituição de Weimar.
O Partido Socialdemocrata (SPD) se coloca à cabeça do movimento e, após formar o governo, concilia com a burguesia e trai a causa dos trabalhadores, inclusive reprimindo o levante Spartakista em conluio com grupos paramilitares de extrema-direita, culminando com o assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, dirigentes da ala revolucionária do partido.
A Constituição da República de Weimar garantia liberdades democráticas e as conquistas sociais arrancadas pela Revolução de novembro de 1918, mas a hiperinflação e o desemprego tornavam a Constituição letra morta em relação aos direitos dos trabalhadores. Aproveitando-se dessa situação de crise e descontentamento, a extrema direita tenta um golpe de Estado em 13 de março de 1920. Esse golpe é derrotado pela mobilização dos trabalhadores que deflagram uma greve geral em Berlin, em 14 de março, que se espalhou para todo o País, bem como pelos enfrentamentos armados entre golpistas e milícias operárias.
O caos geral persiste, a crise e a insatisfação sociais são enormes. Nessa conjuntura o fascismo se fortalece jogando a “culpa” pela crise na República e no sistema parlamentar. Simultaneamente, há um aumento das lutas sociais com o proletariado na vanguarda, protagonizando várias greves, fazendo crescer o Partido Comunista Alemão (KPD).
Em 1923, nova tentativa de golpe. Em 8 de novembro, o NSDAP (Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, ou tão somente Partido Nazista), fundado em 1919, tenta um golpe militar em Munique, na tentativa de tomar o poder na Baviera. O golpe é derrotado, Hitler é preso.
No mesmo ano, com uma situação revolucionária em aprofundamento, o Partido Comunista (KPD) prepara, durante todo o mês de outubro, uma insurreição que deveria ocorrer em 23 de novembro a partir da deflagração de uma Greve Geral. Mas recua na última hora e suspende o levante, por falta de uma direção revolucionária, deixando os trabalhadores a mercê do governo, que inicia uma violenta repressão.
Em cinco anos, na Alemanha, se desperdiça três oportunidades de tomada do poder pelos trabalhadores: 1918, 1921 e 1923. Nesses processos revolucionários, a Socialdemocracia e o Partido Comunista não estiveram à altura da tarefa.
De 1919 a 1933, a crise econômica mundial explode com toda a força na Europa e é o pano de fundo do crescimento do “fascismo alemão”, o nazismo. A inflação se transformou numa hiperinflação. O câmbio, que estava a 200 marcos por dólar, em janeiro de 1922, foi para 4,2 bilhões de marcos por dólar, em novembro de 1923. Havia seis milhões de desempregados e as massas estavam desesperadas.
Essa realidade, que combina a crise econômica e social com a derrota do movimento operário, é um caldo de cultura propício para o crescimento do fascismo. O partido nazista se estruturou a nível nacional tendo como base social as classes médias empobrecidas e desesperadas.
A crise de 1929 fez potencializar a hiperinflação de 1923. A desagregação social, provocada por uma crise econômica clássica de superprodução do capital, facilitou o ascenso do fascismo. Segundo escreveu Trotsky, “a função histórica da tomada do poder pelos fascistas consiste em alterar pela força e a violência as condições de reprodução do capital em favor dos grupos decisivos do capitalismo monopolista” (Mandel, 1974).
O partido nazista evoluiu para as eleições do Reichstag (Parlamento) de 6,6%, em 1924, 18,3%, em 1930, e 43,9%, em 1933.
Trotsky, em 1930, em seu artigo “O perigo fascista paira sobre a Alemanha” afirmava, sobre o crescimento do nazismo: “O crescimento gigantesco do nacional socialismo é expressão de dois fatores: uma profunda crise social, que desestabiliza o equilíbrio das massas pequeno burguesas, e a carência de um partido revolucionário que apareça ante as massas populares como reconhecido dirigente revolucionário (...)". Em continuação, alerta sobre o perigo fascista: “O fascismo na Alemanha tem-se convertido num perigo real. (...) O perigo atinge particular gravidade ligado com a questão do ritmo de desenvolvimento, que não depende apenas de nós. (...) o curso dos acontecimentos num futuro muito próximo pode fazer ressurgir na Alemanha, num novo plano histórico, a velha trágica contradição entre o amadurecimento de uma situação revolucionária, de uma parte, e a fraqueza e impotência estratégica do partido revolucionário, de outra”. Para logo em seguida fazer a crítica à política equivocada do KPD: “Na verdade, o que mais ajudou à coesão da social democracia foi a política errada do partido Comunista, que achou a sua mais alta expressão na absurda teoria do social fascismo. (...) precisamente, em função do fascismo, que vem sendo uma lâmina de barbear em mãos do inimigo de classe, a errada política do Comintern pode produzir resultados fatais em pouco tempo”.
Por fim, propõe uma política para enfrentar e barrar o fascismo: “Uma política correta pode solapar as posições do fascismo (...). A política de frente única operária contra o fascismo (...). Abre grandes possibilidades para o Partido Comunista. Uma condição para o êxito, porém, é o rechaço da teoria e prática do "social fascismo", cujo dano pode ser quantificado sob as presentes circunstâncias (...). Devemos abandonar declarações vazias sobre a frente única e voltar à política de frente única conforme a formulação de Lenin e a sua aplicação constante por parte dos bolcheviques em 1917”.
Trotsky antevia o desastre que significaria a vitória do nazismo, e mesmo numa situação política explosiva, a classe operária não havia sido derrotada e ainda tinha reservas para enfrentar e vencer o nazismo. Para tanto, era necessário que o KPD abandonasse a política sectária, do “terceiro período”, ditada pela Internacional Comunista e implementasse uma política de Frente Única, de unidade da classe, em que o Partido Comunista Alemão e a Socialdemocracia definissem uma forma de atuação conjunta para o enfrentamento político e físico contra o inimigo comum. Dessa forma, poder-se-ia disputar e conquistar a direção da classe operária e, a partir da derrota do nazismo, impulsionar a mobilização operária rumo à tomada do poder.
Porém, a caracterização da luta de classes elaborada pelo stalinismo para a etapa era de que o capitalismo estaria vivendo seus estertores últimos e que, fatalmente, cairia por meio da revolução proletária, o chamado “terceiro período”.
Assim, os Partidos Comunistas deveriam organizar a tomada do poder nos diferentes países onde atuassem e, obviamente, superar a socialdemocracia por meio de uma luta à morte. O KPD recusou uma aliança com a socialdemocracia, que era chamada de “social-fascista”, e concentrou contra esta todo o seu poder de fogo e não contra Hitler, pois considerava que só se poderia vencer o fascismo se antes vencesse a socialdemocracia, que era o inimigo dentro do proletariado e, por isso, mais perigoso.
Aqui está o segredo da vitória de Hitler. A política traidora da burocracia stalinista foi a principal responsável para que o nazismo chegasse ao poder sem se lhe opor nenhuma resistência operária. Essa linha sectária, ultra esquerdista, provocou uma das maiores derrotas da classe operária na História.
Em 30 de janeiro de 1933, Hitler é nomeado primeiro ministro da Alemanha. Em fevereiro, com a desculpa do incêndio do parlamento, coloca o Partido Comunista na ilegalidade. Em março, o parlamento concede plenos poderes para Hitler. Em maio, são fechados os sindicatos. Em julho, são proscritos os partidos políticos e o partido nazista se torna o partido único. Em junho de 1934, na “noite dos longos punhais”, Hitler ordena o assassinato de toda a direção das SAs (ou divisões de assalto, braço paramilitar semi-independente), passando essas para segundo plano e privilegiando as SS (ou tropas de proteção, grupo paramilitar totalmente controlado). E em outubro de 1934, Hitler passa a ser o chefe de Estado e chefe de Governo, tornando-se chefe das Forças Armadas, que lhes juraram fidelidade. Todas as instituições do Estado se tornam subservientes ao nazismo.
Esse é o fascismo. Um regime que mobiliza a pequena burguesia para derrotar a classe operária nas ruas, utilizando métodos de guerra civil, centrando na destruição das organizações operárias para instalar uma ditadura feroz que atue na defesa dos interesses da burguesia monopolista.
E essa é a estratégia do capitalismo imperialista hoje. E não é por coincidência que Donald Trump vence as eleições nos Estados Unidos, que Marine Le Pen cresce na França, que o nazismo renasce na Alemanha. Também há o crescimento da extrema direita na Áustria, Grécia, Escandinávia, Hungria, Bulgária, Romênia, e no conjunto da Europa. Isso sem contar o nazismo controlando a Ucrânia, a extrema direita na Polônia e nos países bálticos. Por toda parte pululam partidos de extrema direita, xenófobos, neofascistas, neonazistas, etc.
Mas a última palavra quem dará será a luta de classes. Em todo o mundo há uma enorme resistência aos planos de espoliação do imperialismo. As batalhas de fundo ainda estão por acontecer. Revolução e contra revolução dependem, mais do que nunca, da construção do Partido Mundial da Revolução Socialista.