• Entrar
logo

Traição política da frente ampla

Na introdução do livro “Revolução contrarrevolução na Alemanha”, que reúne textos de Trotsky, a partir de 1929, a preocupação central era a da tomada do poder pelo proletariado naquele país. Mário Pedrosa (1900-1981), um revolucionário brasileiro, escreveu na apresentação da edição brasileira que: “o problema que se põe agora com toda a sua grandeza e acuidade é o problema da tomada do poder pelo proletariado. A pequena burguesia tornou-se para sempre incapaz de conduzir qualquer movimento independente. Os papéis se inverteram: agora, ou ele segue o proletariado para o futuro, ou toma a direita para a reação”. 

Na Alemanha, a pequena burguesia, em desespero para salvar suas condições de vida, foi levada em grande parte a apoiar o fascismo, chamado depois de nazismo, mas não sem antes apoiar uma frente ampla que ficou conhecida como a “República de Weimar” (1918-1933). O objetivo dessa unidade era salvar o capitalismo em profunda crise. Depois dela, não havia mais lugar para o liberalismo político burguês e somente poderia ser substituída pela revolução proletária ou pelo fascismo, não porque a “maldade” tivesse tomado os corações e as mentes, não se tratava das subjetividades atribuídas até hoje à Hitler de um ser “cruel”, mas porque as bases materiais para o funcionamento da democracia representativa não tinham lugar na superestrutura da economia em uma crise sem precedentes. 

À frente dos aparatos sindicais e partidários, a pequena burguesia apegou-se às liberalidades do regime democrático burguês e não apresentou outra saída séria para os trabalhadores além de “eleições gerais” e “constituinte”. 

Ao invés de tomarem a dianteira para nos livrar do capitalismo, se propõem a se tornarem deputados para o salvarem, ou melhor, para salvarem seus próprios bolsos. Nada além de ilusão. Fazem frente ampla com elementos da direita, como Fernando Henrique Cardoso e Ciro Gomes, ao invés de uma Frente Única dos trabalhadores contra os golpistas – usurpadores esses que são guiados pelo imperialismo dos Estados Unidos. Sabem que só uma Frente Única que mantivesse a independência de classe seria capaz de livrar os trabalhadores dos intensos ataques aos seus direitos, mas têm pavor de qualquer possibilidade que estes venham a assumir a liderança e convertam a crise do capitalismo numa revolução. 

Os burocratas dos sindicatos sustentam os burocratas dos partidos nos gabinetes em troca de minguado sorriso, chega a ser ridículo.


A chave estava com o Partido Comunista

kdpVoltando ao texto “Está na Alemanha a chave da situação internacional”, Trotsky analisa os países mais desenvolvidos, como França, Rússia, China, Estados Unidos e Alemanha. Neste último, a conjuntura era muito crítica e poderia acontecer a revolução socialista que se espalharia pelo resto da Europa e, talvez, pelo mundo. Ou seja, estava na Alemanha a “chave” da situação internacional porque a partir dela é que poderia se criar um poder capaz de atacar a Rússia, coisa que já havia sido feito pelos vários partidos imperialistas anteriormente, mas que, agora, estava entravado pelas próprias resistências internas e seria a partir dela que poderia desencadear a revolução mundial. A “chave”, portanto, estava nas mãos do Partido Comunista Alemão (KPD) e, na realidade, nas mãos da Internacional Comunista (IC). Um fato bastante interessante para aqueles que viam a revolução socialista pela perspectiva da revolução internacional. A Rússia poderia sair do isolamento e destruir a burocracia que se consolidava.

Na Alemanha, a crise econômica e a luta de classes levaram a uma situação pré-revolucionária que evoluía rapidamente para o socialismo ou para o fascismo. O caminho deste vinha sendo pavimentado: o Partido Comunista Alemão (KPD), guiado com uma política oportunista pela IIIª Internacional desde Moscou, não levava a sério o ameaça fascista e não tratou de organizar o proletariado sob a bandeira da revolução. Buscaram eliminar de suas fileiras os militantes mais combativos, expulsando-os. Mergulhados na política parlamentar, não poderiam prever o seu fim nos campos de concentração de Hitler.


Empolgados com a via eleitoral

saNo dia 1º de Maio de 1929, o chefe da polícia de Berlin, Karl Zörgiebel, filiado ao Partido Social Democrata (SPD), proibiu manifestações de rua, mas a população não aceitou e a polícia atirou matando 25 trabalhadores e ferindo outros três gravemente. Foi a gota d´agua para os comunistas colocarem a social democratas e os fascistas no mesmo saco (“Fora Todos!”). Uma política sectária e oportunista.

Em 1928, sociais democratas e comunistas obtiveram um grande número de votos e a direita parecia que não teria fôlego. Em 1930, o SPD tinha cerca de um milhão de filiados, enormes aparatos sindicais com cinco milhões de filiados. Nas eleições de setembro, obteve 8,5 milhões de votos, enquanto o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) ou Nazista (Nationalsozialist), de Hitler, ficava com 6,4 milhões de votos. O Partido Comunista (KDP) também tinha uma enorme influência no meio das massas – em 1930 obteve 4,59 milhões de votos e em novembro de 1932 conquistou 5,98 7milhões de eleitores. Apesar do ligeiro crescimento econômico, a Alemanha passava por uma crise prolongada, dependendo de investimentos dos Estados Unidos e produzindo para a exportação. O número de desempregados já chegava a um milhão e meio.

Em 1923, a crise econômica levou a hiperinflação. Depois de um breve crescimento, a partir de 1924 veio a grande crise de 1929, que levou a uma situação de desespero – só os grandes industriais e banqueiros se salvaram. Mais precisamente, em outubro de 1930 a crise explode na Alemanha e não era passageira. A superprodução levou o capitalismo à contradições estruturais. O desemprego chegou a 44% da mão de obra na Alemanha, 1.892.000 de desocupados, em 1929; 3.076.000, em 1930; 4.520.000, em 1931, e 5.575.000, em 1932. O partido nazista (NSDAP) crescia e obtinha cadeiras no parlamento alemão conforme a crise aumentava, era bem organizado e seus partidários andavam uniformizados. 

A burguesia cobrava as reformas do governo para a retirada de direitos dos trabalhadores, de redução do seguro desemprego em primeiro lugar. Heinrich Brüning, do Partido de Centro (DZP), foi o penúltimo a assumir o poder (1930-32). Na República de Weimar, antes de Adolf Hitler, tudo o que estava ao seu alcance foi feito para salvar os capitalistas, a exemplo do rebaixamento dos salários dos funcionários públicos, em 10%, e a criação de um imposto para os solteiros.


Jogando os trabalhadores nos braços do fascismo

A pequena burguesia e mesmo os trabalhadores não encontrando uma direção firme na social democracia e nos comunistas, que não apresentavam uma saída correta para a crise, e, por isso, aderiam cada vez mais ao fascismo que tinha propostas claras para acabar com o desemprego. Segundo Trotsky, o fascismo provém de duas condições: “de um lado, de uma grave crise social; de outro lado, da fraqueza revolucionária do proletariado alemão. A fraqueza do proletariado, por sua vez, tem duas causas: primeiro, o papel histórico particular da social-democracia, que ainda é uma agência poderosa do capitalismo nas fileiras do proletariado; em seguida, a incapacidade da direção centrista do P.C. em unir os operários sob a bandeira da Revolução”.

interTrotsky advertiu severamente que a Internacional Socialista (IIIª Internacional), passava do terceiro ao quarto período, ou seja, do aventureirismo ia agora ao pânico e às capitulações. Usou a expressão “boi na língua” para se referir a inércia dos dirigentes do Partido Comunista: “Julgam ficar de fora, calando-se. Estão dispostos a ficar quietos, nos seus lugares, enquanto for possível. Esperam durar, aguardando os acontecimentos. Substituíram a política de Lenin pela do avestruz”. Alguma semelhança com os vacilantes de hoje diante do golpe no Brasil? “Toda a sabedoria da burocracia consiste em esperar que as coisas melhorem, em adiar”.

Hitler chegou ao poder não por um golpe de Estado diretamente, mas por vias “normais”. É bem verdade que em 1923 o seu partido tentou um golpe na Bavária (Putsch da Cervejaria) e ele foi preso. Desde então, o partido de Hitler optou pela via eleitoral, mas não sem o uso da violência. Os SA (Sturmabteilung - Tropa de Assalto) usavam camisas marrons e andavam em grupos, constituiam uma força militante poderosa e agressiva, eles cumpriram papel importante no crescimento do partido. Mas depois, quando não eram totalmente controlados, foram substituídos pela SS (Schutzstaffel – Tropa de Proteção). Em fevereiro de 1933, o Reichstag (sede do Parlamento alemão) foi incendiado e Hitler tratou de culpar os comunistas. Em março, intensificou a perseguição, depôs os deputados comunistas e fechou o partido, o KDP.

Sob a crise do capitalismo de hoje, mais profunda ainda, se apresentam novamente as duas alternativas: revolução socialista ou fascismo. Segundo a Revista The Economist, de 28 de janeiro de 2017, a taxa de lucros das multinacionais teve um decréscimo de 25% nos últimos cinco anos e cerca de 40% de todas as multinacionais obtêm um retorno sobre o patrimônio líquido de menos de 10%. No Brasil, a queda na taxa de lucros é de 32%. Com base nesses números é que se tenta implementar as chamadas políticas de austeridade, cortes drásticos nas áreas sociais e a aplicação de um regime de tipo bonapartista com redução substancial dos intermediários. Para isso, as burguesias nacionais e suas empresas são atacadas por todos os meios, o método preferido tem sido as campanhas anticorrupção e como o capitalismo é um sistema intrinsecamente corrupto, eles usam um grupo mais forte para destruir um mais fraco, e assim por diante. São “cobras comendo cobras”. A própria Rede Globo, uma das maiores emissoras de televisão do mundo, começa a aparecer na mira dos ataques.


A história como “coisa do passado”

A história ensina, mas o oportunismo produz cegueira e, sobretudo, leves reminiscências. As lideranças do movimento sindical e partidário da esquerda brasileira evitam a todo o custo lulaciroo embate antes que o bonapartismo e a ditadura se estabeleçam, adiam, na esperança de salvarem a própria pele. Caso a perseguição comece de forma brutal, no movimento sindical e social, vão bater em retirada e deixarão a classe trabalhadora sob o tacão da ditadura porque esta não tem como fugir, quando o correto seria organizar a luta antes que o fascismo se estabeleça, ao invés de deixar para lutar quando eles já tiverem tomado conta de toda a situação. Sem sindicatos, sem partidos e sem associações os trabalhadores serão abatidos nos enfrentamentos. Ainda há tempo. Mas ao que tudo indica, a burocracia nos aparatos sindicais, nas suas centrais e nos partidos que compunham o governo de Lula e Dilma vão continuar desmobilizando os trabalhadores, desarticulando as greve e dividindo a classe, usando de todas as artimanhas para se apresentarem como representantes genuínos dos interesses dos explorados nas próximas eleições, isto é, se elas existirem e se for permitido que eles sejam candidatos. No fundo, a esquerda pequeno burguesa não acredita mais nos operários, na sua força, chegam a dizer isso abertamente em conversas mais reservadas e tecem isso em elaborações acadêmicas mais refinadas. O fim do proletariado, o desânimo e a passividade das massas são os temas preferidos das forças do capital com vintage de esquerda. Apresentam o inimigo “todo poderoso” quando de fato ele ainda não é, e só o é na credibilidade que lhe dá seus “oponentes”. A apatia das lideranças embaralha os operários que labutam cotidianamente.

As direções do PT e a CUT estão com as chaves nas mãos, mas são irresponsáveis com os trabalhadores e não organizam uma luta decisiva para barrar o golpe. Marcam greves gerais como quem joga palavras ao vento, não organizam pela base. A última Greve Geral foi chamada para uma sexta-feira, às vésperas do feriado do 1º de Maio, que de carona foi rifado. Em seguida chamam outra com um intervalo de tempo distante, não passam segurança que de fato vá acontecer, fica sempre aquela dúvida, aquela notícia mal dada para os trabalhadores. Mesmo assim, no dia 28 de abril o Brasil teve a sua maior “Greve Geral” em número de trabalhadores parados. Agora, o PT começa a articular para participar de uma frente ampla com a burguesia na esperança de salvar a própria pele, em colaboração com a burguesia. Uma Frente Ampla a exemplo do que ocorre no Uruguai.


Topo