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Educação Brasileira e Uruguaia

Um esforço comparativo entre as educações uruguaia e brasileira, antes de mais nada, tem que levar em consideração as gigantescas diferenças sócio demográficas dos dois países. O Brasil possui extensão territorial de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, com uma população de 200 milhões de habitantes. O Uruguai, muito menor, possui uma extensão territorial de 176,215 quilômetros quadrados, com 3,5 milhões de habitantes.

Dessa forma, o objetivo do texto não é criar uma comparação definindo qual deveria ser o melhor sistema de ensino educacional. O que interessa aqui é observar políticas que gerem acesso e que mantêm o aluno nas instituições. Essas políticas, antes de mais nada, deve partir do oferecimento de um ensino de qualidade nos níveis fundamentais e médio. Assim, cria-se o interesse nos estudantes em ingressar na universidade, reduzindo o risco da evasão estudantil para o mercado de trabalho.

A estrutura educacional brasileira e uruguaia são muito diferentes em aspectos qualitativos e quantitativo. No Uruguai, o sistema de ensino é gratuito, em qualquer nível de ensino, embora que também existem escolas particulares, e é obrigatório por um período de nove anos de permanência na escola. No Brasil, o acesso é obrigatório a partir dos seis anos de idade e vai até os quatorze. O acesso é gratuito, mas o governo brasileiro só é obrigado a garantir as vagas apenas para as idades proporcionais as suas séries.

Porém, de maneira semelhante, a educação brasileira e uruguaia seguem o que pode ser definido como “tendência mundial”, em que a taxa de matriculados no ensino superior está cada vez maior. As entradas e a permanência nas universidades estão ligadas umbilicalmente as políticas educacionais dos países. Em linhas gerais, ambos os sistemas se veem afetados pela espoliação imposta pelo imperialismo.


As diferenças no ensino superior

Embora ambos os países se encaixem nesse aumento de matriculados no ensino superior, as diferenças do ensino brasileiro para o uruguaio se tornam mais evidentes quando observamos esse nível educacional. A primeira grande diferença é no acesso ao ensino superior. O sistema brasileiro exige provas teóricas para a seleção dos alunos como controle de entrada, “testando” os conhecimentos do ensino médio. No Uruguai não existe nenhum tipo de teste para ingressar no ensino superior, basta o certificado de conclusão do ensino médio, sem limitações de acesso. Mas o filtro acontece no Colegial por meio do aumento das exigências em relação as matérias críticas dos cursos mais procurados.

Quanto as instituições de ensino superior em específico, o Ministério da Educação (MEC) brasileiro, classifica as Instituições de Ensino Superior (IES) de duas formas: públicas (federais, estaduais e municipais) e privadas. A educação superior tem nível de graduação e pós-graduação stricto senso financiado pelo Estado, porém, as IES públicas podem cobrar mensalidade dos alunos da pós-graduação lato sensu, que se trata de um dos componentes da privatização gradual.

As privadas cobram mensalidade em todos os níveis de ensino, não recebendo verba pública, teoricamente, para a se manter funcionando. Entretanto, essas instituições particulares movimentam uma verdadeira fortuna de recursos públicos, o dobro do que é voltado para a educação pública nacional. Isso porque concentram 73,7% das matriculas nas graduações do Brasil e, grande parte delas, a partir de programas estatais de incentivo aos alunos com baixa renda (FIES, ProUni, ReUni). Dessa forma, o Estado, além de pagar a educação, paga também as taxas de lucros das instituições privadas.

No Uruguai, a situação é muito diferente. O País só possui apenas uma universidade pública, a Universidad de la República (UdelaR). Ela manteve a centralidade do ensino superior público por mais de cem anos. A primeira instituição a quebrar o monopólio do ensino superior da UdelaR foi a Universidad Católica del Uruguay, em 1985, no último ano da Ditadura Militar do Uruguai. Além de ter acabado com a total estatização do ensino uruguaio, a ditadura realizou outras mudanças no sistema de ensino como, por exemplo, a formação de professores mestres para o ensino secundário, que passou a ser realizado pelo Consejo Nacional de Educación (CoNaE).

Hoje, no Uruguai, existe uma universidade federal e institutos de ensino federais específicos como o Instituto Militar de Estudo Avançados, o Instituto Superior de Educação Física e escolas de música e de ciências espalhadas pelo país. Além disso, possuí cinco universidades privadas, 10 institutos universitários privados e 14 instituições particulares que formam em áreas específicas. Porém, ao contrário do Brasil, nenhuma dessas instituições privadas recebem verbas públicas através de projetos do governo. Ainda é a UdelaR que recebe todo o investimento financeiro estatal para o ensino.

A saúde e a educação do Uruguai já foram um modelo para a América Latina, principalmente até a década de 1960. A educação, por exemplo, chegou a receber 30% dos recursos do PIB. Após os movimentos estudantis de 1968, o imperialismo colocou em pé uma política para sucatear a educação pública. Com o chamado “neoliberalismo”, esse setor  começou a ser desmontado em todo o mundo para ser entregue a troco de nada para os abutres capitalistas. Devido à impossibilidade de o grande capital estruturar uma política alternativa, o saque imperialista tem se tornado ainda mais truculento, acarretando o crescente e acelerado sucateamento da educação pública.


O problema é o capitalismo

É interessante, nessa análise comparativa, ver como um país pequeno como o Uruguai consegue manter o grosso da educação estatizada ainda hoje. É verdade que os investimentos foram cortados de forma avassaladora durante a ditadura civil-militar uruguaia e que as melhoras do governo Mujica são apenas parciais. Ainda assim, é inegável que o Uruguai não financia o lucro de instituto privado de ensino de maneira tão escancarada como acontece no Brasil. Mas em termos relativos, comparando o Uruguai consigo mesmo, a piora no ensino com a época áurea é gritante. As melhorias introduzidas durante o governo de José Mujica foram fruto do gigantesco descontentamento das massas, principalmente com a bancarrota do País, em 2002. A Frente Ampla tem funcionado como um “bombeiro” da revolução desde a sua fundação, em 1971. Da mesma maneira que acontece no Brasil, e por se tratar de uma política regional, no Uruguai também está avançando uma política contra a corrupção nos mesmos moldes, inclusive usando como pivô a empresa de petróleo. O imperialismo não confia que os governos de conciliação de classes serão capazes de conter o movimento de massas que será inevitável por causa da brutalidade dos ataques do grande capital em crise. Os trabalhadores uruguaios têm grande tradições de luta, como as gigantescas mobilizações populares de 1971 e a Greve Geral contra o golpe militar de 1973, que paralisou o País durante quase dois meses. Mas o Brasil também tem grandes tradições de luta, apesar da campanha da burguesia de dizer o contrário. O ascenso operário retomará o movimento que ficou truncado na década de 1980.

Embora tenham essas diferenças significativas, os dois países enfrentam problemas parecidos. O principal fator é o abandono dos cursos nas universidades ou a não entrada no ensino superior. Dos jovens que vivem no Uruguai com menos de 20 anos, apenas 13,1% estão matriculados em alguma IES. A média de idade de matriculados na UdelaR é de 30 anos, o que equivale a 75,6% dos alunos. Isso se deve ao fato de os estudantes buscam primeiro entrar no mercado de trabalho após a conclusão do ensino médio.

No Brasil, embora os números sejam melhores, apenas 58% dos jovens entre 18 e 24 anos estão matriculados em instituições de ensino superior. Desse total, apenas 7,6% são oriundos do quinto mais pobre da população. O índice de evasão escolar é de 21% e a tendência é um aumento ainda maior nessa taxa, com os crescentes cortes em auxílio estudantil promovido pelo governo golpista de Michel Temer.

De fato, no Estado burguês, a educação nunca deixará de ser um privilégio para os mais ricos. No limite, torna-se uma forma de providenciar mão de obra minimamente qualificada para se colocar no mercado de trabalho. Prova disso é a educação uruguaia: mesmo com várias vantagens em relação a brasileira, não é universal a todos os estudantes tendo, inclusive, uma taxa menor de alunos em idade universitária matriculados. Isso se deve ao próprio sistema. A educação tende a piorar dentro do capitalismo, uma vez que esse visa perpetuar os privilégios das classes dominantes. Uma educação verdadeiramente libertadora somente será possível em outro sistema social, no socialismo.


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