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Está acontecendo uma seca, uma asfixia para que o Hospital fique sem aportes financeiros

O Jornal Gazeta Operária entrevistou Clara Karmaluk, doula do grupo de apoio à gestante (Ishtar BH) e ativista do Movimento Belo Horizonte Pelo Parto Normal, sobre o boicote e a tentativa de acabar com o Hospital Sofia Feldman, maternidade referência de Belo Horizonte.

Jornal Gazeta Operária (JGO): O Hospital Sofia Feldman é uma das maiores e mais importantes maternidades de Belo Horizonte. No entanto, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) vem denunciando o processo de boicote aberto contra o Hospital. O que exatamente está acontecendo com o Sofia? 

Clara Karmaluk: O Hospital Sofia Feldman é a maior maternidade de Minas Gerais e ela incentiva o modelo obstétrico baseado na segurança da mulher, na utilização de enfermeiras obstétricas, na assistência ao parto etc. São profissionais muito bem formadas, que são muito capazes de assistir ao parto.
Esse modelo obstétrico, baseado em enfermeiras obstétricas, em evidências científicas, em práticas que priorizam o conforto da mulher, o bem-estar da mulher, o parto como sendo um ato fisiológico e não um ato médico, isso incomoda as associações médicas e faz com que o Sofia seja um hospital muito boicotado. Quando a gente vê os noticiários, sempre têm notícias dos partos que foram ruins no Sofia Feldman. É uma cobertura muito maldosa na mídia. Sempre escutamos muitos médicos falando mal sobre o hospital, mas quando ouvimos as mulheres, a maior parte delas tem experiências muito positivas no Sofia Feldman. E o que acontece? O Sofia faz 40% dos partos de Minas Gerais e recebe uma verba muito pequena, mais ou menos 30% dos recursos destinados à 2ª maternidade de Belo Horizonte, sendo que o Sofia atende três vezes mais pessoas. Se você para para pensar, isso é uma eficiência de gestão muito grande e quando a prefeitura de Belo Horizonte alega uma ineficiência de gestão, ela está ignorando o próprio relatório que fez, de quantidade de partos/mês e o custo, porque o Hospital tem um custo muito baixo, mas ele atende muitas mulheres.

JGO: O que está por trás dessas ações?

Clara Karmaluk: Já tem alguns anos que a direção do Hospital Sofia Feldman publicizou esse problema de sub-financiamento e fica solicitando, pedindo mais recurso da Prefeitura e tudo o mais. Mas esse problema vem até por causa dos repasses. A tabela de pagamento dos funcionários não é atualizada, apesar de o Sofia trabalhar como um grande celeiro de formação. Ele recebe profissionais do Brasil inteiro que vêm fazer atividades de formação por causa desse modelo obstétrico muito bom, mas o Hospital não recebe nenhum benefício extra por causa disso, sendo que existem hospitais que fazem um serviço parecido e que já recebem também um financiamento melhor.
O que eu e alguns outros movimentos de mulheres de Belo Horizonte acreditamos que está acontecendo é uma seca de recursos, uma asfixia para que o Hospital Sofia Feldman fique sem aportes financeiros, para que deixe os funcionários em uma situação desesperadora. O Sofia é feito pelos funcionários que trabalham lá e ele é muito além do que a gestão. No entanto, quando os funcionários não estão recebendo seus salários e sem reconhecimento, o que é um direito, eles têm que receber e ter atividades coerentes com o cargo que realizam, é obvio que esses funcionários ficarão frustrados, vai criar um movimento de asfixia do hospital. Uma proposta da prefeitura, que inclusive foi retirada, chegaria como a “salvadora”. Mas a prefeitura, que tem capacidade de trabalhar esta questão de recursos, de fazer um diagnóstico, um levantamento, de conversar com outros representantes políticos etc., não o faz. Ela aparece na mídia o tempo inteiro falando que doou dinheiro para o Sofia Feldman, o que não é verdade. O que a prefeitura fez foi um adiantamento do recurso que já era do Sofia. A prefeitura não doou nada, mas a mídia fala que foi doado.

JGO: O que a população deve fazer para impedir tais ataques?

Clara Karmaluk: A população pode se mobilizar, se juntar a nós nessa causa. Temos uma página no Facebook, onde estamos colocando todas as notícias da mobilização. Na quarta-feira, dia 14, teremos uma audiência pública na Câmara dos Vereadores falando sobre a questão do Sofia Feldman e a participação de todos é muito bem-vinda.
Também podem gravar vídeos falando sobre suas experiências com o Sofia, compartilhar nas redes sociais ou se voluntariar para trabalharmos juntos tentando achar uma solução para esses problemas de sub-financiamento da maternidade e dos CTIs obstétricos. Também tem uma campanha que está recebendo doações para poder arcar com essas despesas emergenciais. Outra coisa que a população pode fazer é mandar uma mensagem para os seus representantes eleitos na Câmara dos Deputados, para os vereadores, para podermos tentar alterar esse sub-financiamento. A campanha é muito importante, porque quanto mais pressão fizermos, mais conseguiremos deixar claro a importância do Sofia Feldman.
A população pode abraçar o Sofia Feldman. Essa é uma causa para as mulheres, pelas mulheres, por todas e todos nós, porque apesar de não estarem diretamente envolvidos no processo do parto, do nascimento, os homens também nasceram e vão continuar nascendo. Lutar pelo Sofia é lutar pela dignidade do nascimento de todos os brasileiros, de todos os “belorizontinos”. 

JGO: Qual a relação dos ataques contra o Sofia e a tentativa de privatizar o SUS?

Clara Karmaluk: Estamos passando por um momento de privatização do SUS por meio dessas parcerias público-privadas que não combinam, não condizem com o que queremos para um sistema 100% SUS e o Kalil já tem uma política de aproximação com esse tipo de iniciativa, até por ele ser um prefeito que veio do meio empresarial. A visão de um gestor público é muito diferente da visão de um gestor privado e o Kalil tem essa bagagem de parcerias público-privadas. Inclusive foi resolução da última Conferência estadual e municipal de Saúde, que não haveria incentivo às parcerias público-privadas, que devia sempre se buscar o financiamento 100% SUS, trabalho 100% SUS. Logo, se o Kalil nos diz que irá secar a torneira, secar as goteiras, a gente recebe isso com muita desconfiança, porque não é o modelo que a população votou, escolheu, elegeu e deixou bem claro no Conselho Municipal, Estadual de Saúde – que deveriam orientar as políticas públicas de saúde, especialmente saúde para as mulheres. A gente sabe que as coordenadoras da comissão pré-natal e da coordenação da Criança e Adolescente foram retiradas há pouco tempo, substituídas por pessoas da confiança do Kalil. Diante disso, nos colocamos a dúvida. Kalil prometeu, inclusive, que o Centro de Parto Leonino Leonor estaria aberto até o final de 2018. No entanto, na última reunião que fomos, a data já foi alterada pela Coordenadora de Saúde da Mulher, para 2020. A informação que temos é do adiamento e de que muito provavelmente será uma parceria público-privada. Agora temos o Sofia Feldman também, que não está recebendo o aporte de recursos devidos e apareceu essa proposta muito controversa do prefeito para poder modificar a gestão sem levar em consideração o colegiado gestor. É muito preocupante essa intervenção, porque precisamos preservar o modelo de assistência que existe no Sofia Feldman e que foi base para a política nacional, que é a rede cegonha, base para várias formações, como o Projeto Parto Adequado. Todos esses gestores que elaboraram essas políticas vieram conhecer o trabalho do Sofia Feldman, que começou com um mutirão no bairro Tupi, feito pela população, para a população, e que cresceu até esse lugar de destaque internacional que o Hospital tem hoje.


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