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Imprópria Para as Oligarquias

O samba do compositor paraibano Chico Limeira, “Imprópria”, ganhou o 1º Festival de Música da Paraíba. A letra, uma crítica aberta ao fato de várias ruas, avenidas e bairros da capital serem batizadas com nomes de políticos e generais (representantes da Ditadura Militar), foi selecionada entre as doze finalistas do Festival. Tal fato causou furor nos setores conservadores, ligados às oligarquias paraibanas, que defenderam a censura da letra e o cancelamento da premiação. 

A reação direitista ganhou repercussão após o pronunciamento do vereador Lucas de Brito (PSL), 1º-vice-presidente da Câmara Municipal de João Pessoa.  Segundo o político, a canção agride a figura pública do ex-presidente da República, Epitácio Pessoa. “É uma ofensa e um desrespeito ao maior paraibano e brasileiro de todos os tempos. A canção lhe atribui um adjetivo de baixo calão (...). Não quero discutir a licença poética da canção, mas apontar que o governo do estado premia uma música de desafeto a uma figura histórica da Paraíba”.

“Imprópria” também foi criticada pelo jornalista Wills Leal. Segundo ele, “(...) errou o corpo de jurado ao não examinar a letra, deveria ter chamado a atenção para o problema da letra, porque é pejorativa, é anti-cultural, anti-histórica”. 

Além da campanha nos palanques e nos jornais, o músico também foi ameaçado fisicamente. Segundo o irmão do compositor, Tibério Limeira, Chico Limeira foi ameaçado por um jornalista durante uma apresentação artística.  As ameaças foram confirmadas pelo poeta e Secretário de Cultura do Estado da Paraíba, Lau Siqueira, que declarou que “(...) o compositor paraibano Chico Limeira foi abordado de forma ameaçadora por uma pessoa bem conhecida do cenário cultural da Paraíba”.

Trata-se de uma clara tentativa de censurar a arte, aos moldes do que ocorria durante a Ditadura Militar. Não por acaso, o caso se apresenta no momento em que o País passa por um golpe de Estado, com o Exército sendo colocado nas ruas, por meio de uma Intervenção Militar.


Direita e o controle ideológico 


É nítido, pelo argumento do vereador do PSL, que a direita é contra a “licença poética”, recurso estético para que o artista possa expressar a sua liberdade de criação. O único critério da direita para “julgar” a obra é ideológico, isto é, a apologia às figuras ligadas às oligarquias. 

Para o marxismo, da base econômica, exploração capitalista, surge uma “superestrutura” – certas formas jurídicas e políticas – cuja função é legitimar o poder da classe dominante. Assim, as estruturas do Estado são utilizadas, sem o menor pudor, para perseguir toda e qualquer pessoa que se opuser a essa dominação, inclusive os artistas. 

O marxismo nega que a arte por si só possa mudar o curso da História, mas ela pode ser um elemento ativo nesta mudança. As práticas artísticas contemporâneas expõem as contradições do nosso mundo e do nosso tempo. 

Para Trotsky,  “Na arte, o homem expressa (...) sua necessidade de harmonia e de uma existência plena que a sociedade classista nega. Por isso em toda autêntica criação artística se encontra implícito um protesto consciente ou inconsciente, ativo ou passivo, otimista ou pessimista, contra a realidade”.


Samba é resistência


A cultura Afro é reconhecida no seu processo histórico como uma cultura de resistência.  Sua história é marcada pela luta e afirmação do povo negro. A história do samba traz marcas desta luta.  

O samba originou-se dos antigos batuques trazidos pelos africanos, que vieram como escravos para o Brasil. Esses batuques estavam geralmente associados a elementos religiosos, que instituíam entre os negros uma espécie de comunicação ritual através da música e da dança, da percussão e dos movimentos do corpo. Os ritmos do batuque, aos poucos, foram incorporando elementos de outros tipos de música, sobretudo no cenário do Rio de Janeiro, do século XIX. Na virada do século XIX para o século XX, o samba foi se afirmando como gênero musical popular, dominante nos subúrbios. 

O ritmo sofreu o mesmo preconceito racial que seus criadores. No Rio de Janeiro, os terreiros de Candomblé eram utilizados como espaço para festas de sambas, que eram proibidas. A imprensa das décadas de 1920 a 1930 registrou diversas ações da polícia contra os sambistas. 

De acordo com Reinaldo de Almeida Júnior, doutor em Direito pela UERJ, “Nas primeiras décadas do século passado, o simples ato de caminhar pelas ruas carregando instrumento poderia levar uma pessoa para a cadeia — sobretudo se o indivíduo fosse negro e se vestisse como sambista” . 

As composições de samba são denúncias contra a opressão do povo negro. Um exemplo é a canção “Delegado Chico Palha”, composta em 1938, por Tio Hélio e Nilton Campolino, e regravada recentemente por Zeca Pagodinho, retrata a onda de repressão do Governo Vargas.  

Neste quadro, o samba passou a ser um conceito dinâmico. No campo ideológico, negritude pode ser entendida como processo de aquisição de uma consciência. Já na esfera cultural, o samba é a tendência de valorização de toda manifestação cultural de matriz africana. Trata-se de um forte instrumento de provocações de realidades a serem discutidas no cotidiano do povo negro. 


Pela liberdade das artes


O Manifesto “Por uma Arte Revolucionária”, escrito por Leon Trotsky e André Breton, aponta a necessidade de liberdade de criação.  Segundo o manifesto: “A livre escolha desses temas e a não-restrição absoluta no que se refere ao campo de sua exploração constituem para o artista um bem que ele tem o direito de reivindicar como inalienável. Em matéria de criação artística, importa essencialmente que a imaginação escape a qualquer coação, não se deixe sob nenhum pretexto impor qualquer figurino”.

É preciso falar abertamente que estamos vivendo uma onda de censura.  A reação histérica da oligarquia paraibana faz parte do avanço do Estado de exceção que impõe o controle ideológico às artes. Para os setores conservadores é uma questão central na atual situação de polarização.

O controle sobre as artes representa um período trágico, com a restrição de todos os direitos democráticos e o avanço do golpe.  A luta contra a censura é parte da luta contra a anulação de todos os direitos democráticos. 

É preciso combater o avanço do golpe. O direito à liberdade de expressão só existe se for sem condicionantes. Expressar o que se pensa deve ser um direito garantido a qualquer artista. A liberdade de expressão e pensamento não pode ser condicionada sob nenhuma alegação.



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