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A Farsa da Equiparação Estudantil pelo Vestibular

Milhões de alunos tentam ingressar todos os anos no ensino público superior. Esses números ficam claros com o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). De uma prova sem real importância anteriormente, o ENEM se tornou a principal ferramenta para o acesso às universidades federais. Não é por acaso que em 2017, o exame contou com 6,7 milhões de inscritos.

O Exame executou uma importante tarefa de nacionalizar o acesso às universidades. Com uma prova única para todo o Brasil, através do Sistema de Seleção Unificada (SISU), um aluno de qualquer parte do País pode tentar ingressar em uma universidade em outra região. Isso reduziu o provincialismo que era característico da época em que cada universidade federal realizava seu próprio vestibular. Alguns problemas, como a necessidade de deslocamento, coincidência das datas de vestibulares e divergências nos níveis de exigências das provas, foram eliminados.

Porém, o cerne da questão não foi e está longe de ser resolvido. O vestibular ainda é um sistema de seleção excludente. Afinal, uma mudança apenas no formato de seleção para a universidade não consegue dar conta das enormes divergências de possibilidade de acesso entre pessoas mais pobres e mais ricas nas universidades federais. O ensino superior público brasileiro ainda é extremamente elitizado.


Mérito sem igualdade de condições?

A imprensa burguesa adora alardear quando pessoas econômica e socialmente desfavorecidas conseguem ingressar em um vestibular de alta concorrência. Manchetes como “Detento é aprovado em 1º lugar no vestibular do Pará através do Sisu”; “Surdo que fez redação nota mil no Enem passa em 1º lugar”; ou “Aluno da rede pública é aprovado para Medicina no Enem” são comuns nessa época do ano. Ostentam esse tipo de exemplo para fazer valer uma das maiores falácias da ideologia liberal, que afirma que “se você trabalhar duro, se dedicar, você consegue chegar aonde quiser”.  É a farsa da meritocracia.

Isso consiste, basicamente, em pegar os casos excepcionais e transformá-los em regra. Afinal de contas, pensar em mérito em uma situação em que não há igualdade de condições entre os concorrentes é, no mínimo, uma falha lógica.

Como se sabe, a educação básica pública vive um processo de precarização programada para justificar um posterior projeto privatista. Enquanto isso, os cursos particulares de ensino médio e pré-vestibulares melhores gabaritados cobram mensalidades astronômicas. A título de exemplo, a mensalidade cobrada no colégio e pré-vestibular Bernoulli, em Belo Horizonte, o curso com maior taxa de aprovação em universidades federais da cidade, é de R$ 2.212,00 para o pré-vestibular e 3º ano do ensino médio, completamente inviável para as classes menos favorecidas.

Nesse colégio, os alunos dedicam dois turnos, manhã e tarde, se preparando para os vestibulares. Além da própria mensalidade já o tornar inacessível, é comum às famílias mais pobres de nossa sociedade a obrigatoriedade dos filhos adolescentes terem que trabalhar para completar a renda familiar. Dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), divulgados em abril de 2017, mostram que 43,7% dos jovens brasileiros entre 15 e 16 anos declararam exercer algum tipo de trabalho remunerado em suas rotinas, antes ou depois de irem à escola, sendo o Brasil o sexto país do mundo neste ranking.

Isso quando o acesso ao mercado de trabalho é possível, uma vez que vivemos um momento de intensa crise econômica e de desemprego. Nesse contexto, cada vez mais jovens em situação de vulnerabilidade social acabam se envolvendo com a criminalidade.

Resta aos jovens de baixa renda o estudo em um turno em escolas públicas. Essas, que deveriam ser centros de excelência educacional, sofrem com a precarização. As verbas que já eram baixas, com a aprovação da PEC55, em 2016, não terão aumento nos próximos 20 anos. Nesse contexto, sem infraestrutura, com professores mal remunerados, tendo que exercer jornada dupla de trabalho, são pouquíssimos os jovens em situação de vulnerabilidade social que conseguem ingressar no ensino superior. Dessa forma, como é possível pensar em simples mérito estudantil?


Por uma educação acessível a todos

Apesar dos dados serem alarmantes, com as cotas socioeconômicas e raciais sendo critérios de seleção nos vestibulares houve algumas conquistas da classe trabalhadora nos últimos anos. Mesmo assim, a desigualdade é tamanha que no vestibular de medicina da Universidade de São Paulo (USP), realizado em 2017, curso historicamente mais concorrido, apenas um aluno foi aprovado pela cota racial e outros oito de escolas públicas conseguiram ingressar, isso em um vestibular que deveria selecionar 15 candidatos por cota racial e 25 de estudantes de escolas públicas.

Isso não significa, porém, que o problema é a universidade e o ensino básico público. O problema é a falta de investimento nesses setores. Assim como as escolas de ensino básico deveriam ser centros de excelência educacional, a universidade pública deveria ser acessível a todos que desejassem cursar o ensino superior, com pesados investimentos estatais que possibilitassem o aumento real do número de vagas nos cursos de ensino superior. Para que o vestibular fosse um mecanismo de seleção funcional, no mínimo, deveria haver igualdade de condições entre os concorrentes.

Porém, há todo um projeto privatista para a educação brasileira que está sendo colocado em prática há décadas. Com as ações do governo golpista de Michel Temer, como a aprovação da Reforma do Ensino Médio, PEC55, além do projeto “Escola Sem Partido”, essa política está exponencialmente acelerada. A ganância capitalista tem a intenção de ter o ensino como mais uma das suas ferramentas de extração de lucro.

As cotas raciais e socioeconômicas são bons remédios paliativos, imediatistas, para a situação do acesso ao ensino superior por estudantes de baixa renda. Apesar disso, não resolvem efetivamente o problema, como mostra o exemplo do vestibular para medicina da USP. Por isso, a luta imediata da classe trabalhadora e do movimento estudantil deve ser para que a universidade pública se torne acessível a todos, em conjunto com a criação de mecanismos para excluir as possíveis defasagens educacionais, como o estabelecimento de um ciclo básico para os estudantes de graduação.

Por fim, a educação não deve ser tratada como mais um campo para extração de lucro dos capitalistas. A educação pública e de qualidade é um direito historicamente conquistado pela classe trabalhadora, hoje um dever do Estado. Em um momento de intensos ataques, a manutenção de sua existência deve estar na ordem do dia.


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