A sombra do fascismo se alastra pelo mundo. Movimentos xenofóbicos e reacionários disputam o poder por toda parte, fiéis aos interesses do capital nas formas mais cruéis possíveis, aliados as ideologias neoliberais. Essa ameaça é presente por todo o planeta, mas atua de forma bastante dramática na Índia, segundo país mais populoso e a quinta maior economia em PIB absoluto, ou seja, um alvo particularmente “tentador” para os artifícios do grande capital.
Ex-país colonizado, a "jóia da coroa inglesa", como os colonialistas britânicos costumavam chamá-la, a Índia sofreu desastres, pestes, fomes e a completa destruição econômica imposta pelos britânicos entre os séculos XVIII e XX. Por meio de muita luta, e após muito derramamento de sangue, o movimento de libertação, liderado por Mahatma Gandhi, notório pela tática do pacifismo, foi bem sucedido na conquista da independência do País em 1947, sobretudo devido ao fato de a Segunda Guerra Mundial ter destruído a capacidade dos britânicos de manterem seu império. Porém, os britânicos conseguiram amaldiçoar o país uma última vez antes de o deixarem, por meio da criação de dois países durante a independência: a Índia, composta de maioria Hindu, e o Paquistão (o que atualmente são os países do Paquistão e de Bangladesh), de maioria muçulmana. Com isso, introduziram uma divisão entre muçulmanos e hindus que persegue o País até hoje.
Ainda que o projeto de Gandhi tenha sido, em vista das possibilidades revolucionárias, bastante conservador, as primeiras décadas da República da Índia (até 1990) foram dominadas por políticas social-democráticas bastante abrangentes, com proteções generosas, cujo objetivo era o desenvolvimento da região. A natureza da economia agrícola indiana fez com que medidas de subsídio aos camponeses fossem impostas por meio de um sistema de "preço mínimo", onde o governo garantiu a compra de certos tipos de grãos (por um preço justo), o que protegeu uma pequena parcela dos camponeses dos efeitos mais devastadores do livre mercado e, ao mesmo tempo, garantiu uma alimentação mínima dos setores mais carentes da população por meio da distribuição desse grão comprado. Tais medidas se mantêm até hoje.
Essas ações de proteção aos camponeses são, evidentemente, o horror dos ideólogos neoliberais e do grande capital, que nada mais desejam do que expulsar todos os camponeses de suas terras e imporem imensas monoculturas transgênicas regadas a pesticidas da Monsanto, sobretudo de algodão e semelhantes plantas de exportação fácil. O grande empecilho para isso é a imensidão da população que sobrevive de agricultura por meio desses subsídios e que representa uma parcela decisiva do eleitorado indiano, o que torna praticamente impossível a remoção de tais subsídios por meio de processos democráticos tradicionais.
Desde 2014, Narendra Modi, do partido Bharatiya Janata (Partido Popular da Índia, sigla BJP), é o primeiro-ministro da Índia. Modi e seu partido são conhecidos por fomentarem a ideia da supremacia Hindu, ou seja, daqueles que creem e seguem os preceitos da religião Hindu, notória por sua rígida estratificação de castas, contra todas as outras religiões, sobretudo contra a população muçulmana do País, que representa certa de 15% da população, composta, sobretudo, por descendentes daqueles que, quando da independência, decidiram continuar na Índia ao invés de migrarem para o Paquistão. Modi é servo descarado do grande capital, e é amigo pessoal dos donos dos maiores conglomerados da Índia: o grupo da família Adani (de mesmo nome) e o grupo da família Ambani (Reliance Industries).
O primeiro-ministro da Índia, por meio de suas táticas abertamente fascistas, descobriu o segredo para superar o empecilho gerado pelo eleitorado camponês. Ele e seu partido têm vitória praticamente garantida nas urnas, pois a população Hindu é muito mais numerosa que a muçulmana. Dessa forma, evita prestar contas e, por meio de subterfúgios e atitudes traiçoeiras, conseguem passar leis antitrabalhistas sem grande resistência no parlamento. A Índia, assim, vem sofrido uma série de privatizações e medidas de "austeridade" pelos últimos anos, e que têm devastado o País, e cuja forma mais emblemática é a quantidade horrorizante de suicídios de camponeses que são esmagados pela invasão do livre-mercado em todos os aspectos de suas vidas.
As derrotas dos trabalhadores e camponeses foram inúmeras nos últimos anos, e em 2020, com a crise dramática do Covid-19, foi particularmente brutal. Modi, como bom abutre capitalista, percebeu a oportunidade para finalmente destruir o sistema de subsídios aos camponeses: durante a crise da pandemia, o público não perceberia a destruição do que resta do estado de bem-estar social indiano. Nisso, ele errou: em meados de novembro de 2020, em meio as tentativas descaradas de acabar com os subsídios, uma greve de camponeses imensa, estimada em 250 milhões de pessoas e, portanto, a maior da história do mundo, estourou. Os camponeses e os trabalhadores solidários à causa bloquearam rodovias, ameaçaram adentrar, em peso, em Nova Delhi, e lutaram contra a Polícia e o Exército. Essa greve continua até agora, mais de três meses depois, sofrendo uma brutalidade impressionante dos agentes do Estado.
Agora, no último dia 15 de março, os bancários indianos convocaram uma greve contra as privatizações dos bancos públicos que ainda restam na Índia. O movimento se junta à greve dos camponeses e a uma série de outras greves que tiveram início nos primeiros meses de 2021. A luta de classes efervesce e os trabalhadores batalham com “unhas e dentes” para preservar os poucos direitos que ainda lhes restam.
O importante a se tirar de tudo isso são duas verdades elementares do capitalismo tardio. A primeira é que, em meio à maior crise que o sistema capitalista já sofreu, a burguesia e o grande capital está desesperada para destruir tudo o que resta dos direitos trabalhistas e do Estado para a preservação da sacrossanta taxa de lucro. A segunda é que essa destruição é, em grande medida, inviável por meios democráticos: o povo resiste a tentativas de invasão do mercado, que ameaça tornar tudo que existe em mera mercadoria e a vida em dura batalha sem fim pela "sobrevivência do mais forte". Assim, as medidas neoliberais são realizadas por governos que não obedecem aos preceitos democráticos, ou seja, os governos fascistas e ditatoriais. Desta forma, o capitalismo revela a sua verdadeira face e sua real e última natureza: é a força que busca privatizar e vender tudo que existe, que busca destruir todos os laços humanos para a manutenção de um sistema de produção de desigualdade social ao ponto da destruição do planeta. Cada passo para a manutenção desse sistema aumenta suas contradições internas, até o ponto de sua dissolução, seja pela catástrofe apocalíptica, seja pela revolução bem-sucedida. Lutemos, portanto, ao lado dos trabalhadores da Índia e de todo o mundo pela revolução, caso contrário, apenas a catástrofe restará.