• Entrar
logo

Lemann e a reforma empresarial da Educação

Nos últimos dias, as notícias sobre economia se concentraram no escândalo das fraudes reveladas no balanço das Americanas S.A., cujos sócios majoritários são Jorge Paulo Lemman, o homem mais rico do Brasil, Marcel Telles e Beto Sicupira, ambos também bilionários. A quebra de uma empresa desse porte pode colapsar toda uma cadeia de produção do Brasil, afetar mais de 50 milhões de consumidores e colocar em risco dezenas de milhares de empregos.

Ao expor a completa irresponsabilidade social de bilionários especuladores, a crise na Americanas trouxe à luz o envolvimento de Jorge Paulo Lemann com a Educação Pública. É preciso voltar um pouco no tempo para compreender tal relação. Em setembro de 2016, assim que tomou o poder, o golpista Michel Temer assinou a Medida Provisória que instituiu e Reforma do Ensino Médio. Isso ocorreu logo após a nomeação de Teresa Pontual, ex-bolsista da Fundação Lemann, para a Diretoria de Currículos e Educação Integral do MEC. Teresa fez parte do grupo de jovens universitários chamados de Lemann fellows, representantes do setor privado que interferem no MEC desde a discussão sobre o Plano Nacional de Educação, em 2013. O objetivo dessa interferência é, além de abocanhar verbas públicas em parcerias com governos e prefeituras, inserir nos currículos escolares a narrativa que coloca a acumulação de riqueza como produto do empreendedorismo e do esforço pessoal, ignorando o fato de que todos os bilionários “filantropos” já nasceram herdeiros de grandes fortunas.

As crises do capitalismo costumam desmascarar o lema liberal da livre concorrência e do “self made man” (aquele que se faz por si próprio). Quando elas se aprofundam, os grandes capitalistas recorrem ao Estado para que, por meio de parcerias e aprovação de leis, possam se apropriar de verbas públicas que deveriam ser investidas no bem-estar da população. Foi assim que a Todos Pela Educação (TPE), ONG que tem a Fundação Lemann como uma de suas mantenedoras, se consagrou como influência nas políticas públicas de educação. A Fundação Lemann atuou fortemente, desde 2013, para a construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Outros bilionários, por meio de suas empresas, também fazem parte da imposição da reforma empresarial da Educação. Entre eles estão o Instituto Unibanco, que oferece consultorias e treinamentos aos gestores de escolas públicas de ensino médio desde que elas adotem a plataforma tecnológica criada pelo instituto e a Fundação Itaú, que liderou uma ação do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) junto ao MEC, para a reforma do Ensino Médio, com a inserção da educação profissional. Vale lembrar de Marcos Magalhães, ligado ao ministro da educação de Temer, Mendonça Filho. Magalhães é o retrato acabado do projeto de reforma empresarial da Educação. É presidente do ICE (Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação), cujo principal parceiro é o Instituto Natura, e co-fundador da Todos Pela Educação. Foi por meio das parcerias com o ICE que Pernambuco se transformou no estado pioneiro na experiência de escola integral no modelo privatista.

Assim, o Plano Nacional de Educação (PNE), que definiu as bases da política educacional brasileira para até 2024 e foi sancionado em 2014 com a Lei 13.005, revelou a voracidade com que o setor privado jogou suas garras sobre a Educação pública. Além de manter o avanço da iniciativa privada sobre o setor, sugando as verbas públicas das formas já conhecidas (isenções fiscais e subsídios em financiamento e parcerias público-privadas, caso de programas como o Programa Universidade para Todos –ProUni- e o Fundo de Financiamento Estudantil-Fies-), a partir da aprovação do plano, o investimento em Educação passou a ser permitido também em programas relacionados à iniciativa privada.

Na época, o então Ministro da Educação, Antônio Paim, apresentou o PNE no Fórum “Estadão Brasil Competitivo” para mostrar a lição de casa aos abutres representantes dos setores que mais avançam sobre a Educação pública: Instituto Unibanco e a ONG Todos pela Educação. Uma importante lição tirada desse momento é a de que, mesmo cedendo à pressão do mercado, o governo de Dilma Roussef não conseguiu evitar que os grandes capitalistas bilionários, contemplados no novo PNE, atuassem fortemente em favor do golpe que a derrubou. Por ser um governo com base social entre os trabalhadores, Dilma teria dificuldade em aprovar a Reforma do Ensino Médio, ao sabor do empresariado. Não foi por acaso que uma das primeiras medidas do governo Temer, após o golpe de Estado, foi chancelar essa Reforma, mesmo sob vários protestos de estudantes e educadores por todo o país.

O governo recém-empossado de Lula já demonstrou que terá dificuldades em se contrapor aos interesses desses grupos de tubarões da Educação. A equipe que se formou no MEC está ligada aos defensores da reforma empresarial da educação, cujo modelo propagandeado é o de Sobral, no Ceará. Nomes como Izolda Cela, ex-governadora do Ceará pelo PDT e atual Secretária Executiva do MEC, por exemplo, representam as tentativas de implementar a lógica empresarial na educação pública, ampliando os mecanismos de privatização e exclusão escolar. Importante salientar que em 2021, 34% dos jovens do Ceará estavam fora da escola e do mercado de trabalho. Em nota pública, a Confederação dos Trabalhadores em Educação -CNTE- manifestou, profunda preocupação com a “predominância de indicações alinhadas às pautas defendidas por fundações empresariais que não mantêm quaisquer elos com os movimentos sociais que deram sustentação à eleição do atual governo”.

O escândalo da Americanas mostra que não existe nenhum objetivo filantrópico nas ações de especuladores financeiros. A meta deles é, sempre, ampliar suas taxas de lucros. A função das Fundações de Lemann, é, conforme matéria publicada no site 247, a de “pressionar os governos a adotarem uma lógica empresarial no ensino público e a submeter as instituições do Estado aos interesses do capital financeiro. Tal estratégia está alinhada aos crescentes investimentos de Lemann no ensino privado, por intermédio da Gera Venture Capital e da holding Eleva Educação, e sinaliza interesses futuros na privatização dos sistemas públicos de ensino do Brasil.”

Em relação às pautas ideológicas, o professor Luiz Carlos de Freitas afirma que a longa lista de políticas educacionais desastrosas nos Estados Unidos é consequência da intervenção de bilionários, como Bill Gates, que com suas Fundações veiculam suas teses no interior da escola pública, contribuindo para alimentar o mito da meritocracia. A disseminação desse mito tem a intenção de fazer com que a juventude acredite na mentira de que trabalhar duro trará recompensas e, se isso não ocorrer, é por culpa dela mesma e não de um sistema social voltado para produzir desigualdades.

Não à reforma empresarial da Educação!

Por uma política educacional que garanta acesso e permanência de todos na escola pública, gratuita, laica, pensada e gerida por educadores profissionais e sob controle da comunidade!

Bilionários especuladores: tirem suas garras do MEC!

Foto: reprodução/Google


Topo