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Para as elites, mães trabalhadoras devem ser excluídas do sistema educacional

Na semana mundial de luta das mulheres, um caso exemplifica a situação de opressão vivida pelas trabalhadoras na sociedade capitalista, bem como o autoritarismo latente no Brasil em tempos de golpe. No último dia 06 de março, a aluna do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Waleska Maria Lopes, foi expulsa da sala de aula pelo professor da disciplina de Introdução à Sociologia, Alípio Sousa Filho. O motivo: Walesca tentou assistir a aula acompanhada de sua filha de cinco anos. O professor não apenas solicitou a saída da aluna, como a ameaçou de expulsão e de lhe entregar ao Conselho Tutelar, enquanto a humilhava na frente de toda a sala.

Chorando, Waleska deixou a sala de aula acompanhada de sua filha e de colegas que lhe prestaram solidariedade. A carioca é mãe solteira e mudou-se para Natal para estudar na UFRN. Trabalha durante o dia como atendente de telemarketing e não tem com quem deixar a filha no período da noite. Uma realidade comum para as mães que precisam trabalhar para sustentar suas famílias e que querem estudar. Porém, para o professor, “pobres” não devem estudar caso não arranjem uma “rede de solidariedade” que os ampare.


Uma grande manifestação do autoritarismo acadêmico


Indignados com a atitude do professor, alguns alunos gravaram áudios registrando o momento em que ele expulsou a aluna da sala de aula. O docente fez um longo discurso em que deixou claro que a estudante estaria proibida de retornar à sala de aula com a criança. Os áudios “viralizaram” na internet e o fato ganhou espaço na imprensa nacional. 

Na primeira parte das gravações, o professor compara a realidade brasileira com as universidades mais elitistas do mundo, afirmando que nelas as mães trabalhadoras sequer teriam chances de estudar, quanto menos lecionar. “(...) Em Harvard, na Sorbonne, em Oxford, em qualquer país europeu, jamais um aluno entra com filho pra assistir aula, jamais aluno se levanta pra falar com um professor dessa maneira. E se lá não tem aqui também não vai ter, nas minhas aulas, sobretudo”. Esse é o modelo que as elites brasileiras pretendem adotar no Brasil: universidade só para quem pode pagar.

Na sequência, o docente pede para os alunos darem mais valor à universidade, ameaça chamar o Conselho Tutelar para Waleska e diz que ela não respeita a "autoridade moral" da universidade. 

“Ela encontre uma rede de solidariedade para cuidar da criança. Não consegue essa rede de solidariedade? Repense sua vida. Não tem que estar fazendo Ciências Sociais, não tem que estar estudando na universidade. Você só faz isso se tiver condições. Agora não vai impor à instituição coisas que não são assimiladas pela instituição (…) 'ah, eu sou pobre, não tenho'. Problema seu, a universidade não tem problema com isso, se vire”, afirmou.

O professor despreza o problema que envolve o dever do Estado em garantir as condições de acesso e permanência dos jovens trabalhadores nas universidades públicas, mantidas com o dinheiro dos impostos de toda a população. Esta é a clássica visão da “intelectualidade” parasita, para quem a desigualdade social garante seus privilégios. 

O debate sobre as mulheres e seus filhos nas universidades é antigo e deve ser abordado a partir da discussão sobre o direito universal ao estudo superior. Provavelmente, o que o professor chama de “rede de solidariedade” são outras mulheres, em geral parentes, que ajudam a cuidar da criança, enquanto o Estado se omite de criar condições para que mães e pais trabalhadores estudem. 


Educação superior pública de qualidade: um direito de todos os trabalhadores


Como todo “bom defensor da coisa pública para poucos”, o discurso do docente não é a exceção, tampouco um caso “isolado”. Esse é o pensamento das elites e da pequena-burguesia: as escolas e universidades não devem estar à disposição da classe operária, que é quem sustenta o Estado com sua mão de obra, mas para um punhado de parasitas. De acordo com essa mentalidade, as universidades não poderiam nunca ser ocupadas por filhos de pobre, por pretos e favelados. A classe operária e os negros estariam, portanto, “roubando” o acesso que socialmente só poderia ser ocupado pelas classes sociais abastadas. “Você não paga um centavo pra tá ai. Tá roubando, inclusive, vagas de pessoas que não entraram e bem que gostariam de estar ai. Aí você vem desdenhar da universidade, da sala de aula, do professor, e achar que como aluno pode impor um modo de ser das coisas. Na sala de outro, comigo não.(...) Não entra na minha sala de aula com criança.... Falta de respeito, não aprende nada aí quer fazer discurso político. Por que não me conhece, né? (...)Ela pode ser expulsa da universidade, como eu já cansei de expulsar aluno (...)”.

Em entrevista ao G1, o professor, ao ser questionado se sabia das condições da estudante, que ela veio de outro estado, não tem família em Natal e nem com quem deixar a menina, disse que “...a universidade não pode ser o lugar da resolução de todos esses problemas. Ela já faz um esforço tremendo de oferecer programas, de oferecer alternativas de amparo à vida estudantil que devem ser reconhecidos. Nós temos bolsas de iniciação científica, bolsa alimentação, residência, nós temos essa bolsa creche. A universidade está fazendo o que pode”.

“Essa bolsa creche”, oferecida pela universidade, é de R$100 e o estudante pode se beneficiar dela por no máximo 10 meses, ou seja, um valor irrisório para um período que abrange menos da metade do curso. Os apologistas desse discurso discriminatório fingem ignorar o desmantelamento das universidades públicas, com vistas à privatização do ensino superior. 

Os burocratas acadêmicos que ascenderam socialmente através da construção de currículos pessoais, enquanto difundiam a ideologia burguesa como imperativo para a organização social, estão em acelerada desmoralização com o sucateamento das universidades brasileiras. Nesse sentido, somente a juventude estudantil tem condições de enfrentar a crise das universidades públicas, que tem sua raiz no desmonte dos serviços públicos, promovido pelo imperialismo em escala global. 

O que está sendo colocado em prática, na verdade, é um projeto privatista para a educação superior brasileira com a intenção de afastar os mais pobres da educação, na mesma medida em que alimenta a especulação financeira. 

A educação superior pública de qualidade não é um favor. É um direito de todos os trabalhadores. Toda solidariedade às Waleska’s – as mães trabalhadoras que não possuem qualquer auxílio do Estado para conseguir estudar, trabalhar e viver a maternidade plenamente. O caso da estudante é o modelo de exclusão social, típico do capitalismo, ao qual temos que ser veementemente contra.



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