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A serviço da máfia da saúde, Brasil é líder em cesáreas

Hoje, no Brasil, a cultura do parto cirúrgico se impõe – trata-se da chamada “indústria da cesariana”. Para se ter ideia, foram 1,6 milhões de partos cesáreas só no ano de 2015, o que equivale a um percentual de 55,5% do total de nascimentos. Um número quase quatro vezes maior do que o indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que estima que só entre 10% e 15% das cesárias se justificam por motivos médicos.

O que gera esses números alarmantes? A resposta é simples: a indústria da cesariana é resultado do avanço da privatização da saúde. Não por acaso, foi justamente nos anos 70 a 80, quando se iniciou o pico da privatização da saúde, que o número de cesáreas começou a crescer no Brasil. Cerca de R$ 363 milhões são movimentados por ano no setor privado para a execução das cesáreas.  Na rede privada, o índice de cesáreas é de 83%, chegando a mais de 90% em algumas maternidades. O parto cesáreo continua ainda sendo rentável para o sistema público de saúde, que movimenta R$ 290 milhões, ficando com um índice em torno de 40,2% de cesarianas. O que era para ser um recurso excepcional para salvar vidas passou, na prática, a ser a regra, cuja motivação está no lucro e não no bem-estar e na saúde da mãe e do bebê. 

Essa rentabilidade e sede por lucros é uma epidemia que também marca outros países. Na Colômbia, por exemplo, o índice de intervenção cirúrgica nos partos é de 45,93%, apesar de a Federação Colombiana de Ginecologia e Obstetrícia ter definido, em 2014, os protocolos para a racionalização do uso da cesárea. O ministro da Saúde colombiano, Alejandro Gaviria, chegou a afirmar que “as cifras sugerem que muitas cesáreas são injustificadas, ou seja, constituem um caso quase paradigmático de tratamento excessivo, o que tem, em geral, consequências adversas para a saúde da população”.

Não se pode falar de uma só causa para esses números assombrosos, alerta o assessor regional em Saúde Sexual e Reprodutiva da Organização Panamericana de Saúde (OPAS), Bremen De Mucio, mas a mais recorrente é obter rentabilidade no parto. Além de a maioria dos hospitais privados cobrar mais por uma cesárea, os médicos podem atender a mais nascimentos se eles forem programados e rápidos. De acordo com De Mucio, o procedimento que num primeiro momento aparece como simples e sem complicações, tem sido a escolha de muitas gestantes principalmente em relação a tolerância à dor, no entanto, conclui o especialista, “As pessoas acham que os procedimentos e a anestesia são inócuos, mas na verdade nenhuma intervenção está isenta de riscos”. Ou seja, as mulheres estão sendo expostas ao risco de uma cirurgia sem que haja a indicação médica para tal.

Além de todos esses fatores, outro quesito vem pesando para a escolha do procedimento, o da judicialização da medicina. “Dizem aos residentes de gineco-obstetrícia: ‘Não se preocupem por fazer uma cesárea a mais, nunca vão te processar por uma cesárea a mais, mas, sim, por uma a menos’”. E, assim, de acordo com o assessor regional da OPAS, os obstetras se transformaram em “cirurgiões de bisturi fácil”. Atualmente, em muitos hospitais sequer há uma equipe obstétrica completa e treinada para auxiliar o parto normal. Já o obstetra e professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), Pedro Octávio de Britto Pereira, afirma que há cada vez menos maternidades e vagas para o parto natural, além do mais "o parto privado não dá lucro aos hospitais. Os hospitais preferem procedimentos mais complexos".

 


Até onde vai a decisão da mulher sobre o parto?

 



Uma pesquisa feita, em 2014, pela Fiocruz, intitulado de "Trajetória das mulheres na definição pelo parto cesáreo", acompanhou 437 mães que deram à luz no Rio de Janeiro, na saúde suplementar. Os resultados foram espantosos: “No início do pré-natal, 70% delas não tinham a cesárea como preferência. Mas 90% acabaram tendo seus filhos e filhas assim — em 92% dos casos, a cirurgia foi realizada antes de a mulher entrar em trabalho de parto”.

Os números mostram que a maioria das mulheres começa com o parto natural como a primeira opção, no entanto, no decorrer da gestão algo faz com que a mãe “mude de ideia”. Um dos motivos apresentados pela pesquisa da Fiocruz para justificar essa “modificação” seria a baixa informação recebida pelas mulheres em relação às vantagens e desvantagens dos diferentes tipos de parto e a baixa participação do médico como fonte desta informação.

Um questionário feito pela revista Az Mina com 150 mulheres grávidas mostrou que em 61,5% dos partos cesáreos, o procedimento foi uma sugestão médica e não uma escolha da mulher.
Outro dado que chama atenção é a “coincidência” entre o número de cesárias e de nascimento prematuros. Segundo uma pesquisa da Unicef feita em conjunto com o Governo Federal, o Brasil registrou uma média de 11,7% nascimentos prematuros em 2010. O índice, que colocou o Brasil na décima posição entre os países com maior prematuridade, foi mais alto nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, justamente onde havia sido registrado um maior índice de cesarianas, o que leva a uma associação natural entre os dois fatores.

Um caso grotesco, que mostra o quanto a mulher é excluída do processo de decisão sobre o seu próprio corpo e expõe a interferência direta das instituições do Estado burguês na vida privada dos cidadãos, foi o da gaúcha Adelir Lemos de Goes, uma mãe de 29 anos, que foi obrigada por liminar da Justiça a ter seu filho por cesárea. O episódio ocorreu em 2014, na cidade de Torres, no Rio Grande do Sul. Goes foi levada à força ao hospital quando já estava em trabalho de parto. O caso levou centenas de pessoas a saírem às ruas, em cidades do Brasil e do exterior, para protestar. A manifestação foi batizada de "Somos Todas Adelir - Meu Corpo, Minhas Regras".
 

 

Privatização da saúde: a vida das mulheres em risco

 

 

A falta de maternidades públicas, falta de leitos e de profissionais é sem dúvida um dos agravantes dessa epidemia. Um parto natural pode levar horas, enquanto que uma cesárea leva, em média, pouco mais de uma hora. Com maternidades abarrotadas, sem equipe médica suficiente, as cesarianas são utilizadas para reduzir o número de pacientes o mais rápido possível. Isso obviamente sem falar nos lucros que tal procedimento proporciona.

Ocorre que essa prática irrestrita coloca a vida das mulheres em risco. De acordo com estudos realizados pelo Centro de Perinatologia e Desenvolvimento Humano, os riscos para a vida da mulher é sete vezes maior nos partos cesáreos. Como se trata de uma cirurgia, a possibilidade de infecções é muito maior. O procedimento, além de colocar em risco a vida de mãe e filho, pode produzir em curto prazo um aumento de hemorragia, complicações cirúrgica, muita dor no pós-parto, maior tempo no hospital e as complicações normais da anestesia. Para o bebê há mais dificuldade para a amamentação e complicações respiratórias. Sem desconsiderar que a cesárea pode salvar muitas vidas e prevenir algumas doenças em casos específicos, ela não pode ser uma regra, mas uma exceção aos casos do parto. O que devemos priorizar é a saúde sem precedentes, sem ter como objetivo o lucro. O sistema de saúde brasileiro e mundial deve, em primeiro lugar, cumprir uma função social. A privatização do SUS irá, com toda certeza, aumentar essas mazelas uma vez que, para os capitalistas, o lucro é o único fator que importa, nem que para isso milhares de pessoas precisem morrer.
 

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