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Da periferia à academia: Racionais como leitura da Unicamp

A sociedade foi pega de surpresa esse ano, quando a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) anunciou suas leituras obrigatórias para o vestibular 2020. O disco “Sobrevivendo no Inferno”, do famoso grupo de Rap nacional, Racionais MC’s, foi incluso na lista de poesias, ao lado de obras clássicas de Camões e do único livro da poetisa carioca, Ana Cristina César.

A escolha mostrou a importância das músicas de contestação nacionais, marca registrada dos Racionais MC’s, para a formação dos estudantes. De acordo com a Unicamp, as obras escolhidas expressam “diferentes gêneros e extensões, de autores das literaturas brasileira e portuguesa” e “possuem relevância estética, cultural e pedagógica para a formação dos estudantes do ensino médio”.

O álbum do grupo Racionais, lançado em 1997, retrata o dia-a-dia nas periferias paulistas: a miséria, a perseguição policial, a fé, o racismo e o massacre do povo negro e periférico, incluindo em suas faixas, na música “Diário de um Detento”, o relato de um ex-detento que sobreviveu ao massacre do Carandiru. “Sobrevivendo no Inferno”, o quarto disco de estúdio e quinto do grupo, é reconhecido como um dos melhores álbuns já feitos por eles e foi eleito pela revista Rolling Stones como o 14º melhor disco brasileiro. Trata-se da uma expressão dos morros, o relato fiel do cotidiano da juventude periférica brasileira.

“Sobrevivendo no Inferno”

Mas o fato de o álbum ter sido incluído como leitura obrigatória no vestibular de uma das universidades mais proeminentes do país não significa muito para a juventude que frequenta os mesmos morros que inspiraram as letras dos Racionais MC’s. A juventude das periferias continua a vê poucas saídas alternativas às condições que Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e o DJ KL Jay já falavam em suas músicas na década passada.

Muitas crianças e jovens começam a trabalhar cedo para ajudar no sustento de suas famílias, vendendo balas e outros produtos ou pedindo dinheiro nas ruas, aumentando a estatística do trabalho infantil. Segundo dados do Instituto Social Santa Lúcia, a cada 100 pessoas abordadas por mês trabalhando como pedintes, 80 delas, em média, são crianças e adolescentes em situação de risco. Acompanhadas geralmente da mãe ou de algum adulto responsável, meninos e meninas viajam das periferias de São Paulo até as regiões mais ricas para conseguirem algum dinheiro e amparar suas famílias. Dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), divulgados em abril de 2017, mostraram que 43,7% dos jovens brasileiros entre 15 e 16 anos declararam exercer algum tipo de trabalho remunerado em suas rotinas, antes ou depois de irem à escola, sendo o Brasil o sexto país do mundo neste ranking.

Aqueles que fogem da curva do trabalho infantil e tentam se dedicar aos estudos e se formar encontram vários percalços no caminho. Escolas públicas precárias (quando há), salas de aula superlotadas, alimentação de baixíssima qualidade, professores desmotivados etc., tudo isso provocado pela política de cortes de investimento em educação pública no Brasil. As ações de permanência nas escolas para a população pobre, por sua vez, não são efetivas. Não bastasse tudo isso, essa juventude marginalizada ainda passa pela farsa do nivelamento estudantil pelo vestibular, que não leva em consideração a desigualdade de condições de acesso ao estudo entre os mais pobres e mais ricos.

A falta de educação não é o único problema desses jovens de periferia. No seu dia-a-dia eles ainda correm sérios riscos de serem assassinados pelo Estado repressor pelo único motivo de serem pobres, pretos e favelados. As execuções ocorrem inclusive no caminho para a escola, mesmo estando vestidos com o fardamento escolar, como ocorrido com o jovem Marcus Vinicius, de 14 anos, no dia 22 de junho, no Rio de Janeiro (ler mais na página 04).

Conforme dados do IBGE, menos de 40% dos jovens entre 17 e 24 anos têm acesso ao ensino superior. Desses, ainda hoje, mesmo com as políticas afirmativas e de cotas raciais, menos de 12,8% são negros e pardos em idade universitária, enquanto mais de 26,5% dos jovens brancos conseguem garantir uma vaga numa universidade pública.

Este é um problema que atinge não só a população pobre urbana, mas também os indígenas e quilombolas, que em maio deste ano tiveram cortados os subsídios do MEC para manter seus jovens nas universidades através do programa Bolsa Permanência. Tal medida ameaça acabar com mais de quatro mil vagas destinadas aos dois grupos, que recebem uma média de 2500 inscrições por ano.
Criado em 2013, o Bolsa Permanência é uma ação que oferece auxílio financeiro a estudantes indígenas e quilombolas matriculados em instituições federais de ensino superior. Desde sua criação, o programa atendeu 7.370 indígenas, 2.666 quilombolas e 9.563 estudantes de baixa renda. Os cortes na Bolsa Permanência são reflexos da política golpista de sucateamento das universidades públicas. Um levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), mostrou que “no planejamento do governo em 2018, o orçamento previsto é de apenas R$ 5 bilhões para universidades, enquanto em 2017 foi de R$ 8 bilhões e de R$ 15 bilhões, em 2015”. Uma prova cabal do retrocesso que o direito do povo brasileiro à educação tem sofrido com o governo entreguista de Michel Temer.

Por uma educação que se preocupe com os jovens


Vemos que a cada dia os ataques aos direitos básicos garantidos pela constituição se intensificam. O fim de programas de assistência, o sucateamento, a privatização do ensino e a desestruturação do ensino básico são pequenas amostras do que o governo golpista pode fazer com a educação a mando do imperialismo internacional. A política agora é de total entrega dos bens da população brasileira, e esses bens incluem a educação de seu povo. Afinal, quanto menos educação, mais fácil manipular as massas. Quanto menos conhecimento, menos mão de obra qualificada, piores são os salários e as condições de trabalho aos quais os trabalhadores serão submetidos. A juventude deve se levantar em prol de seus direitos. Não só do direito à educação, mas também do direito ao lazer e a cultura.

Ao lutar por essas garantias mínimas, os jovens criarão a consciência de que eles também sofrem nas garras do capitalismo selvagem, que torna tudo o que fazemos numa falsa competição meritocrática. Afirmando sempre a falácia liberal de que “se você se esforçar, conseguirá chegar lá”, mas sem dar condições iguais de competição às pessoas em seu meio. Devemos buscar uma revolução social que vise o bem-estar coletivo, de crianças, jovens e adultos, oferecendo condições para que todos possam estudar e se manter nas universidades, de trabalhar e ter condições de trabalho decente, além do salário digno. Cabe a nós lutar pela igualdade, contra o sistema opressor do capitalismo, uma luta em busca do socialismo.

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