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A privatiza��o da educa��o se insere num movimento maior de reformas estruturais como estrat�gia para supera��o da crise do capital

O jornal Gazeta Oper�ria (JGO) entrevistou a professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Maria Rosaria Barbato (Marisa), rec�m-eleita vice-presidenta do Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco (APUBH) no bi�nio 2018-2020. Confira a seguir a entrevista na �ntegra.

Jornal Gazeta Oper�ria: A APUBH passou recentemente por um processo eleitoral no qual voc�s foram eleitos. Como se deu esse processo eleitoral? H� quanto tempo o outro grupo estava no controle do Sindicato?

Marisa Barbato: A insatisfa��o com as diretivas da antiga gest�o (que estava no controle do sindicato h� mais de quinze anos) diante das demandas da categoria tem muito tempo e ficou evidente ao longo desse per�odo com a forma��o de grupos paralelos, constitu�dos de maneira informal, para debater quest�es de interesse dos professores, para as quais n�o havia espa�o de di�logo ou aten��o pelas lideran�as constitu�das. Apesar da atual dire��o da APUBH vir a se construir e fortalecer a partir das discuss�es que antecederam a deflagra��o da greve de 2016 (cuja paralisa��o a antiga gest�o empreendeu esfor�os para que n�o ocorresse), v�rios integrantes j� vinham se destacando por sua luta contra a antiga gest�o h� muitos anos. Eu, por exemplo, que ingressei na UFMG em 2013, logo me aproximei do grupo que, sobrepondo-se � diretoria, liderou a greve da UFMG em 2012. O processo eleitoral foi �rduo. As regras do estatuto dificultam as chapas de oposi��o, prevendo por exemplo uma composi��o antidemocr�tica da comiss�o eleitoral. As press�es, as acusa��es, as inverdades divulgadas apenas nos fortaleceram no objetivo comum de fazermos uma campanha leal e direcionada para a categoria compreender de forma clara nossas propostas. A vit�ria no �ltimo processo eleitoral representa a retomada pelos docentes do espa�o democraticamente institu�do para expor essas insatisfa��es e formular alternativas frente �s viola��es aos direitos da classe e �s investidas para desconstru��o do Ensino Superior gratuito e de qualidade.


Jornal Gazeta Oper�ria: Voc�s est�o assumindo a dire��o da APUBH no momento de imensa crise e de cortes na educa��o. O "tesourometro", localizado na porta da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por exemplo, aponta que j� foram retirados mais de R$ 12 bilh�es em investimentos em educa��o, ci�ncia e tecnologia. Quais as consequ�ncias diretas desse corte de investimentos? Quais ser�o as �reas mais afetadas?

Marisa Barbato:
O contingenciamento de recursos destinados � Educa��o se intensificou nos �ltimos tr�s anos, alcan�ando patamares cr�ticos em 2017, quando muitas universidades depararam com dificuldades para manter-se em funcionamento, seja quanto a investimentos em moderniza��o e amplia��o da infraestrutura, seja quanto � manuten��o das atividades rotineiras, na execu��o de despesas com pessoal, energia el�trica e bolsas estudantis. A situa��o da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, principalmente em 2017, foi bastante reveladora sobre essa realidade. O impacto dos cortes praticados pelo Governo Federal � not�rio em planos diversos: comprometem os estudos em desenvolvimento, amea�am a continuidade dos trabalhos desenvolvidos por pesquisadores e estudantes, sobretudo aqueles mais vulner�veis e dependentes de maior assist�ncia universit�ria, mas afetam tamb�m o desenvolvimento t�cnico-cient�fico do pa�s em plano mais abrangente, distancia o Brasil de um projeto mais inclusivo, via acesso a direitos como renda m�nima e educa��o, por exemplo, al�m de reduzir sensivelmente a competitividade frente a outros pa�ses que mantiveram os investimentos na esfera educacional, a despeito da crise vivenciada na �ltima d�cada.

Jornal Gazeta Oper�ria: Voc� infere que essa pol�tica de retirada de investimentos, em conjunto do fortalecimento de conglomerados educacionais privados como o grupo Kroton, tem rela��o com um projeto privatista para a educa��o brasileira?

Marisa Barbato: A privatiza��o da educa��o se insere num movimento maior de reformas estruturais adotadas como estrat�gia para a supera��o da crise do capital. Estamos enfrentando um momento de recrudescimento da l�gica de mercado e do capitalismo em geral e h� sim um projeto antidemocr�tico de desestatiza��o que encontra sua formaliza��o j� na d�cada de noventa a partir do Consenso de Washington e da publica��o em 1991 do Relat�rio sobre o desenvolvimento mundial do Banco Mundial. Deste projeto n�o se isenta a educa��o. O reconhecimento do Estado como respons�vel pelo direito � educa��o, que � um direito humano fundamental, implica a garantia da universaliza��o e a exist�ncia de mecanismos de gest�o democr�tica e controle p�blico sobre as pol�ticas, permitindo a participa��o ativa dos cidad�os nos processos de tomada de decis�o.
Empresas de ensino superior com capital aberto em bolsa, cuja expans�o est� sendo financiada com recurso do fundo p�blico como Fies e Prouni, s�o geridas, parcial ou integralmente, por fundos de investimentos ou corpora��es transnacionais, o que reflete a desregulamenta��o da oferta de ensino pelo setor privado. O grupo Kroton, que engloba empresas como Unopar, LFG e Anhanguera, cresceu a partir da aquisi��o e fus�o com outras empresas do setor e da intensifica��o daquilo que os educadores chamaram de �cestas de insumos pedag�gicos�, levando a l�gica mercantilista para aqueles que pagar�o por isso.
O projeto de privatiza��o, que passa tamb�m pela privatiza��o do Ensino M�dio, fomenta verdadeiras ind�strias e neg�cios que visam fundamentalmente � extra��o de lucro. Modifica a rela��o de ensino e aprendizagem dando maior �nfase no resultado e n�o mais no processo. Desqualifica a pr�tica docente e empobrece a proposta curricular, desloca o papel do Estado obstaculizando a garantia da realiza��o do direito a educa��o, desvirtuando a sua finalidade inclusiva e transformando num direito de poucos (seletivo) e num mecanismo de aprofundamento das desigualdades sociais. Sofre tamb�m a dimens�o pol�tica da educa��o com a despolitiza��o dos quadros educacionais e com profundas implica��es n�o apenas para a educa��o, mas tamb�m para a sociedade, sendo a meu ver, esse projeto um verdadeiro ataque � democracia. Enfim, acredito que o contingenciamento dos investimentos na Educa��o carrega um prop�sito de privatiza��o; trata-se de um plano mais abrangente, tanto que as ofensivas n�o se restringem a cortes financeiros, s�o exemplos as arbitrariedades praticadas nas persegui��es de quadros docentes (dentro dos quais me incluo) e dos reitores de algumas universidades, como da pr�pria UFMG e tamb�m da UFSC, (sendo que neste �ltimo caso, o reitor perseguido, ap�s ser ultrajado pela pol�cia federal, suicidou).
Ademais, a privatiza��o da universidade n�o ocorre apenas no quesito ensino, mas tamb�m na produ��o do conhecimento. Com a aprova��o do Marco Legal da Ci�ncia e Tecnologia flexibilizaram-se as regras para as parcerias p�blicos privadas no desenvolvimento de pesquisas. Assim, pesquisas estrat�gicas est�o sendo desenvolvidas em parcerias com grandes industriais transnacionais ferindo muitas vezes a autonomia universit�ria no que diz respeito a dispor de recursos humanos federais para desenvolver pesquisas que atenderiam �s demandas da popula��o em geral, sem falar na absoluta falta de controle da sociedade civil sobre os resultados e patentes que s�o produzidas dentro das universidades.
Por fim, registram-se os cortes de bolsas de ind�genas e de quilombolas, os quais evidenciam essa pol�tica privatista, al�m de uma reelitiza��o da universidade.


Jornal Gazeta Oper�ria: Qual a perspectiva para a atua��o sindical dos professores da universidade p�blica neste cen�rio?

Marisa Barbato: A defesa da universidade p�blica exige em primeiro lugar a compreens�o do cen�rio e da conjuntura que estamos vivenciando. As universidades n�o s�o ilhas e � evidente que os ataques aos direitos dos professores e da universidade p�blica, em particular, inserem-se dentro de um projeto mais amplo, qual seja, o do fortalecimento da hegemonia do capital financeiro, com inevit�veis conseq��ncias nos direitos sociais sacrificados em nome de ajustes fiscais e do lucro. Atender as demandas e construir pautas apenas para nossa categoria, significa n�o querer enxergar que o iceberg, do qual vemos apenas a ponta, tem uma raiz mais profunda que precisa ser compreendida e solucionada. A fr�gil resist�ncia setorial de categorias atomizadas se revelou incapaz de se impor na correla��o de for�as, revelando a necessidade de reorganiza��o da luta classista no enfrentamento entre os detentores do capital e a resist�ncia da classe trabalhadora. Assim, al�m da formula��o de um plano de luta espec�fico para a nossa categoria, precisamos debater, tamb�m em n�vel nacional, para buscar uma solidariedade geral, fazer reuni�es ampliadas envolvendo outras categorias, movimentos sociais e a pr�pria sociedade buscando converg�ncias para al�m das diverg�ncias ideol�gicas. O momento nos imp�e responsabilidade e a busca de uni�o para n�o mais apenas resistir ao retrocesso, mas para tamb�m voltar a lutar para a melhoria das nossas condi��es de trabalho. A bandeira n�o se circunscreve ao �mbito acad�mico, mas se comunica e deve dialogar com outras esferas de interesse democr�tico, o que � imprescind�vel para evitar o isolamento na articula��o com outros movimentos com prop�sitos afins.


Jornal Gazeta Oper�ria: Como os recentes ataques do governo golpista de Michel Temer, como a PEC55 e a Reforma Trabalhista, podem afetar a categoria que a APUBH representa?

Marisa Barbato: A Reforma Trabalhista � nefasta para a classe trabalhadora como um todo, porque desconstr�i um arcabou�o jur�dico protetivo resultado da luta dos trabalhadores nas �ltimas d�cadas, n�o se limitando a restringir ou a eliminar garantias espec�ficas de determinado setor ou grupo profissional. A previs�o do negociado sobre o legislado, a retirada do sindicato das negocia��es e sua substitui��o pela intermedia��o por trabalhadores da empresa, a introdu��o do trabalho intermitente com remunera��o por trabalho prestado, a terceiriza��o irrestrita e outras in�meras medidas introduzidas pela Lei 13.467 de 2017, afetam profundamente n�o apenas aos professores e professoras do ensino privado, tornando-os cada vez mais precarizados. A inteira categoria fica vulnerabilizada, apontando para uma desvaloriza��o que fomenta a migra��o, sobretudo dos mais qualificados, para outras profiss�es. Tamb�m a Emenda Constitucional n. 95 tem forte impacto negativo para o investimento em setores sociais, uma vez que limita o crescimento dos gastos � infla��o, mantendo est�vel um patamar de recursos j� aqu�m do necess�rio � �poca da entrada em vigor da norma. Significa que �reas como sa�de, educa��o e assist�ncia social ficar�o ainda mais desguarnecidas diante de uma pol�tica de conten��o adotada para os pr�ximos 20 anos.



Jornal Gazeta Oper�ria: � interesse da APUBH ampliar e mover suas lutas em conjunto com outras categorias, principalmente �quelas que est�o na mira dos projetos privatistas, como os petroleiros e os ecetistas?

Marisa Barbato: A nossa gest�o visa construir um sindicato horizontal, em que as decis�es s�o constru�das coletivamente. Criamos uma diretoria setorial de A��es Coletivas e Movimentos Sociais  com o objetivo de estudar e propor articula��es e atua��es com outras entidades em todos os niveis (local, nacional e internacional). Dentro dos nossos prop�sitos h� a participa��o e o apoio �s lutas de sindicatos e movimentos sociais contra a privatiza��o de recursos estrat�gicos para o futuro do Brasil.  Com certeza acreditamos que o sindicato n�o pode mais se organizar apenas ao redor de suas categorias e of�cios, mas deve estar aberto a dialogar com outras categorias, associa��es e movimentos sociais, como forma de pensar juntos alternativas para as amea�as de privatiza��o e a retirada de nossos direitos. Divulgamos alguns dias atr�s o nosso primeiro boletim sindical manifestando preocupa��o, dentre outras coisas, com a forte repress�o institucional advinda do Poder Judici�rio com rela��o a iniciativa dos petroleiros em deflagrar greve no final de maio, e com as pr�ticas antissindicais variadas. As agendas nacionais da educa��o, sa�de e das pesquisas em ci�ncia e tecnologia s�o profundamente afetadas por prop�sitos privatistas a exemplo dos royalties do petr�leo e pr�-sal para a educa��o, que sofrem os efeitos da pol�tica entreguistas do presente. Embora n�o tenha havido mobiliza��o conjunta naquela oportunidade, h�, sim, espa�o para di�logo e trabalho conjunto com os petroleiros e demais categorias que partilhem do sentimento de solidariedade de classe e da indigna��o diante do aviltamento � dignidade do trabalhador. Assim com certeza estamos acompanhando com preocupa��o o projeto de desmonte dos correios, com a amea�a de fechamento das ag�ncias mais lucrativas em benef�cio das ag�ncias franqueadas, com a introdu��o de pautas precarizantes, tais como a contrata��o de m�o de obra tempor�ria, e com a evidente redu��o de direitos provocada por exemplo pela onera��o do ecetista com o pagamento de mensalidade do plano de sa�de. Pautas voltadas para indignifica��o dos ecetistas e a ressignifica��o do trabalho como mercadoria.


Jornal Gazeta Oper�ria: A APUBH pensa em a��es conjuntas com outros setores da educa��o p�blica, como os professores do ensino infantil e b�sico?

Marisa Barbato: Al�m da necessidade de dialogar com outras categorias, � muito importante tamb�m ampliarmos as discuss�es com outras entidades educacionais p�blicas e nos integrarmos a sua luta como forma de prestar solidariedade, sobretudo com a educa��o b�sica e a infantil que tamb�m sofrem com os cortes financeiros. Os problemas da remunera��o da carreira dos professores do Estado e da equipara��o entre planos de carreira dos educadores da educa��o infantil e do ensino fundamental s�o lutas travadas pelos professores na tentativa de corrigir injusti�as hist�ricas que vem se perpetuando, integrantes de um caminhar na dire��o do reconhecimento da dignidade destas trabalhadoras e trabalhadores que, por�m,  ainda t�m suas leg�timas manifesta��es reprimidas, �s vezes violentamente, pelo Poder Executivo, como, por exemplo, o caso recente dos professores das UMEI's de Belo Horizonte.
LPS: Qual a perspectiva para a educa��o superior p�blica em 2018?
Marisa Barbato: A tend�ncia de restri��es or�ament�rias � pesquisa e ao ensino � um projeto de longo prazo, estruturado na figura da EC n. 95, por isso as perspectivas para a educa��o superior s�o, no m�nimo, preocupantes. Mantida a emenda em seus termos atuais, veremos um or�amento cada vez mais insuficiente para atender �s demandas da universidade, se pensadas aqui t�o somente aquelas necess�rias para a continuidade de suas atividades elementares � investimentos em tecnologia e expans�o passam a ser possibilidades remotas neste cen�rio e a precariza��o das condi��es de atua��o docente e discente se intensifica. O Inep divulgou h� poucos dias dados do Relat�rio do 2� Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educa��o  e mostrou que apenas uma das 20 metas previstas foi atingida (aumento de professores com p�s-gradua��o em n�vel superior), mas isso foi devido a um trabalho que j� estava sendo feito anteriormente ao PNE. Em rela��o a outras metas o quadro � nefasto, caracterizado por estagna��es e retrocessos. Este resultado demonstra a aus�ncia de qualquer vontade de avan�ar na universaliza��o do ensino obrigat�rio, na redu��o das desigualdades, na valoriza��o docente e no fortalecimento do ensino superior.
Como ressaltado anteriormente, trabalhamos incansavelmente pela defesa de uma educa��o livre, democr�tica, de qualidade e com acesso universal, o que nos chama para a resist�ncia e para a uni�o dos professores na constru��o de alternativas para o plano de desmonte moldado pelos Poderes constitu�dos.

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