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O Manifesto do Partido Comunista – parte 09

Retificando dados da edição anterior, em 05 de maio deste ano comemoramos os 200 anos do nascimento de Karl Marx. Sua obra “O Manifesto do Partido Comunista” vem sendo publicada, por partes, nesta página, tendo uma imensa aceitação dos nossos leitores. Segue, a partir deste número, o “Capítulo III – Literatura socialista e comunista”, no qual Marx informa e esclarece os vários “tipos” de socialismo existentes até então.

“1. O socialismo reacionário

a)    O socialismo feudal

Por sua posição histórica, a aristocracia inglesa e financeira estava a escrever panfletos contra a moderna sociedade burguesa. Na revolução francesa de julho de 1830 e no movimento inglês pela reforma¹, a aristocracia sucumbiu mais uma vez diante da odiosa arrivista. A partir daí não se podia mais falar numa luta política séria. Restava-lhe apenas a luta literária. Mas mesmo no campo da literatura tornara-se impossível a velha fraseologia da época da Restauração [não se trata aqui da restauração inglesa de 1600-1689, mas da restauração francesa de 1814-1830, conforme afirma Engels em nota à edição Inglesa, de 1888]. Para suscitar simpatias foi preciso que a aristocracia aparentasse perder de vista seus próprios interesses e formulasse uma acusação contra a burguesia unicamente no interesse da classe operária explorada. Entregou-se assim à satisfação de compor canções injuriosas sobre seu novo senhor e de lhe sussurrar ao ouvido profecias mais ou menos sinistras.

Surgiu dessa maneira o socialismo feudal: meio lamentação, meio escárnio; metade ecos do passado, metade ameaças ao futuro; às vezes ferindo a burguesia no coração com sua crítica amarga, mordaz e espirituosa, mas sempre produzindo um efeito cômico, devido à sua absoluta incapacidade de compreender a marcha da história moderna.

Para arregimentar o povo, a aristocracia desfraldou como bandeira a sacola de mendigo do proletariado. Mas sempre que o povo a seguiu, percebeu que as costas da bandeira estavam ornadas com os velhos brasões feudais e dispersou-se com grandes e irreverentes gargalhadas.

Uma parte dos legitimistas franceses e a “Jovem Inglaterra²” capricharam na apresentação desse espetáculo.

Quando demonstram que seu modo de exploração era distinto da exploração da burguesia, os feudais esquecem-se apenas de uma coisa: que eles exploravam em condições e circunstâncias totalmente diferentes, hoje já antiquadas. Quando demonstram que sob o seu domínio não existia o proletariado moderno, esquecem apenas que a moderna burguesia foi precisamente um fruto necessário de sua organização social.

Além disso, disfarçam tão mal o caráter reacionário de sua crítica que sua principal acusação contra a burguesia é justamente a de que sob o seu regime se desenvolve uma classe que fará ir pelos ares toda a antiga organização social.

O que mais reprovam à burguesia é o fato de ter ela produzido um proletariado revolucionário, não o de ter produzido um proletariado em geral.
Por isso, na prática política, participam de todas as medidas de violência contra a classe operária; e, na vida cotidiana, a despeito de sua presunçosa fraseologia, conformam-se em colher as maçãs de ouro “caídas da árvore da indústria” e em trocar fidelidade, amor e honra por lã, açúcar de beterraba e aguardente [isto se refere sobretudo à Alemanha, onde a aristocracia latifundiária e os junkers cultivavam por conta própria grande parte de suas terras com a ajuda de administradores e são, além disso, grandes produtores de açúcar de beterraba e destiladores de aguardente de batata. Os aristocratas britânicos, mais prósperos, não chegaram por enquanto a esse ponto; mas também sabem como compensar a diminuição de suas rendas emprestando seus nomes aos fundadores de sociedades anônimas de reputação mais ou menos duvidosa, conforme afirma Engels em nota à edição Inglesa, de 1888].

Assim como o padre sempre caminhou de mãos dadas com o senhor feudal, o socialismo clerical caminha de mãos dadas com o socialismo feudal.
Nada mais fácil do que dar um verniz socialista ao ascetismo cristão. O cristianismo também não se manifestou contra a propriedade privada, contra o matrimônio, contra o Estado? Em seu lugar não pregou a caridade e a pobreza, o celibato e a mortificação da carne, a vida monástica e a Igreja? O socialismo sacro (cristão) é apenas a água-benta com que o padre consagra o despeito dos aristocratas.

b)    O socialismo pequeno-burguês

A aristocracia feudal não é a única classe arruinada pela burguesia e cujas condições de existência se atrofiam e vão-se extinguindo na sociedade burguesa moderna. Os moradores dos burgos medievais e a ordem dos pequenos camponeses foram os precursores da burguesia moderna. Nos países menos desenvolvidos industrial e comercialmente, essa classe média continua a vegetar ao lado da burguesia em ascensão.

Nos países onde se desenvolveu a civilização moderna, formou-se uma nova pequena burguesia, que está suspensa entre o proletariado e a burguesia e se reconstitui sempre como parte complementar da sociedade burguesa; os indivíduos que a compõem, no entanto, são constantemente precipitados no proletariado pela concorrência e, com o desenvolvimento da grande indústria, veem aproximar-se o momento no qual desaparecerão completamente como parte independente da sociedade moderna e serão substituídos por capatazes e empregados no comércio, na manufatura, na agricultura.

Em países como a França, onde a classe camponesa constitui bem mais da metade da população, era natural que os escritores que apoiavam o proletariado contra a burguesia usassem a escala do pequeno-burguês e do pequeno camponês em sua crítica do regime burguês e tomassem partido pelos operários, segundo o ponto de vista da pequena burguesia. Assim se formou o socialismo pequeno-burguês. Sismondi³ é o chefe dessa literatura, não apenas na França, mas também na Inglaterra.

Tal socialismo analisou com muita perspicácia as contradições inerentes às modernas relações de produção. Pôs a nu as hipócritas apologias dos economistas. Demonstrou irrefutavelmente os efeitos destruidores da maquinaria e da divisão do trabalho, a concentração dos capitais e da propriedade territorial, a superprodução, as crises, a ruína inevitável dos pequeno-burgueses e dos pequenos camponeses, a miséria do proletariado, a anarquia na produção, a acintosa desproporção na distribuição das riquezas, a guerra industrial de extermínio entre as nações, a dissolução dos antigos costumes, das antigas relações familiares, das antigas nacionalidades.

Entretanto, quanto ao seu conteúdo positivo, tal socialismo ou deseja restabelecer os antigos meios de produção e de troca, e com eles as antigas relações de propriedade e a antiga sociedade, ou deseja aprisionar de novo, à força, os modernos meios de produção e de troca no quadro das antigas relações de propriedade, que foram por eles explodidas, que não podiam deixar de ser por eles explodidas. Em ambos os casos, tal socialismo é ao mesmo tempo reacionário e utópico.

Corporações na manufatura e economia patriarcal no campo: eis sua última palavra.

Em seu ulterior desenvolvimento, essa escola perdeu-se numa covarde depressão”.

   ¹ Em 29 de julho de 1830, em reação a uma tentativa de golpe de Estado do Rei Carlos X, um movimento revolucionário depôs a monarquia dos Bourbons – que governava o país desde a Restauração de 1814 – e a substituiu pela dos Orleans. Luís Filipe foi coroado rei da França e governou até a revolução de fevereiro de 1848. Na Inglaterra, sob a pressão de um expressivo movimento de massas, a Câmara dos Comuns aprovou uma reforma eleitoral que, ratificada pela Câmara dos Lordes, em junho de 1832, facilitou o acesso dos representantes da burguesia industrial ao parlamento.

   ² Referência a dois agrupamentos que frequentemente recorriam a métodos demagógicos para manipular e hegemonizar a classe operária: os legitimistas franceses, partidários da dinastia dos Bourbons, destituída em 1830, e a Jovem Inglaterra, grupo formado em torno de 1842 por políticos e literatos ingleses vinculados aos Tories, o Partido Conservador. Expressava basicamente o descontentamento da aristocracia agrária diante do aumento do poderio econômico e político da burguesia; dois de seus representantes mais ilustres foram Benjamin Disraeli (1804/1881) e Thomas Carlyle (1795/1881).

   ³ Jean-Charles Sismondi (1773/1842): economista e historiador suíço, autor de “Princípios de Economia Política (1803)”.

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