Como parte do debate sobre a questão da mulher e da organização familiar no capitalismo e no Estado Comunista, publicamos a III parte do texto “O Comunismo e a Família”, da militante bolchevique e dirigente soviética, Alexandra Kollontai.
“A mulher casada e a fábrica
O capitalismo modificou totalmente esse antigo modo de vida. Tudo o que antes se produzia no seio da família, se fabrica agora em grandes quantidades nas fábricas. A máquina substituiu os ágeis dedos da dona de casa. Que mulher trabalharia hoje modelando velas ou manipulando tecidos? Todos esses produtos podem ser adquiridos na venda mais próxima. Antes, todas as garotas tinham que aprender a tecer suas roupas. É possível encontrar em nossos tempos uma jovem operária que faça suas roupas? Em primeiro lugar, carece do tempo necessário para tal. O tempo é dinheiro e não há ninguém que queira perdê-lo de uma maneira improdutiva, quer dizer, sem obter nenhum proveito. Atualmente, toda a mulher operária prefere comprar suas roupas a perder tempo fazendo-as.
Poucas mulheres trabalhadoras, e só em casos isolados, podemos encontrar hoje em dia que preparem as conservas para a família, quando a realidade é que na mercearia ao lado de sua casa pode comprá-las perfeitamente preparadas. Ainda no caso de que o produto vendido no estabelecimento comercial seja de uma qualidade inferior, ou que não seja tão bom como o que possa fazer uma dona de casa em seu lar, a mulher trabalhadora não tem tempo nem energias para dedicar-se a todas as operações que um tipo de trabalho desse requer.
A realidade, portanto, é que a família contemporânea se torna cada vez mais independente de todos aqueles trabalhos domésticos sem cuja preocupação não se poderia conceber na vida familiar de nossas avós. O que se produzia anteriormente no seio da família se produz atualmente com o trabalho comum de homens e mulheres trabalhadores nas fábricas.
Os afazeres individuais estão fadados a desaparecer.
A família atualmente consume sem produzir. As tarefas essências da dona de casa se reduziram a quatro: limpeza (do chão, dos móveis, etc.); cozinha (preparação da comida), lavar a roupa e as vestimentas da família.
Esses trabalhos são esgotantes. Consomem todas as energias e todo o tempo da mulher trabalhadora que, além do mais, tem que trabalhar em uma fábrica.
É certo que os afazeres individuais de nossas avós compreendiam muito mais operações, porém, não obstante, estavam dotados de uma qualidade de que carece os trabalhos domésticos da mulher operária de nossos dias; estes perderam sua qualidade de trabalhos úteis ao Estado do ponto de vista da economia nacional, porque são trabalhos com os que não se criam novos valores. Com eles não se contribui para a prosperidade do país.
É em vão que a mulher trabalhadora passe o dia desde a manhã até a noite limpando sua casa, lavando e tingindo a roupa, consumindo suas energias para conservar as roupas em ordem, matando-se para preparar com seus modestos recursos a melhor comida possível, porque quando termina o dia não ficará, apesar de seus esforços, um resultado material de todo o seu trabalho diário; com suas mãos infatigáveis não haverá criado em todo o dia nada que possa ser considerado como uma mercadoria no mercado comercial. Mil anos que vivesse, tudo seguiria igual para a mulher trabalhadora. Todas as manhãs haveria de tirar a poeira da cômoda; o marido viria com vontade de jantar a noite e seus filhos voltariam sempre pra casa com os sapatos cheios de barro... O trabalho da dona de casa tem a cada dia menos utilidade, é cada vez mais improdutivo.
A aurora do trabalho caseiro coletivo
Os trabalhos domésticos em forma individual começaram a desaparecer e dia a dia vão sendo substituídos pelo trabalho caseiro coletivo e chegará um dia, mais cedo ou mais tarde, ao ponto que a mulher trabalhadora não terá que ocupar-se de seu próprio lar.
Na Sociedade Comunista de amanhã, esses trabalhos serão realizados por uma categoria especial de mulheres trabalhadoras dedicadas unicamente a essas ocupações.
As mulheres dos ricos, já fazem há muito tempo, vivem livres dessas desagradáveis e fatigosas tarefas. Porque a mulher trabalhadora tem que continuar com essa pesada carga?
Na Rússia Soviética, a vida da mulher trabalhadora deve estar rodeada das mesmas comodidades, a mesma limpeza, a mesma higiene, a mesma beleza que até agora constituía o ambiente das mulheres pertencentes às classes endinheiradas. Em uma sociedade comunista, a mulher trabalhadora não terá que passar suas escassas horas de descanso na cozinha, porque nela existiriam restaurantes públicos e cozinhas centrais nos quais poderá comer todo mundo.
Está crescendo o número de estabelecimentos desse tipo em todos os países, inclusive nos capitalistas. Na realidade, se pode dizer que desde há meio século aumentam a cada dia em todas as cidades da Europa; crescem como cogumelos depois da chuva de outono. Porém, enquanto sob o sistema capitalista, somente pessoas com bolsas bem cheias podem permitir-se ao gosto de comer nos restaurantes, em uma cidade comunista estarão ao alcance de todo mundo.
O mesmo se pode dizer da lavagem da roupa e demais trabalhos caseiros. A mulher trabalhadora não terá que afogar-se em um oceano de porcaria nem estropiar a vista remendando e cosendo a roupa pelas noites. Só precisará leva-la a cada semana às lavanderias centrais para ir busca-la depois de lavada e passada. Deste modo, a mulher trabalhadora terá uma preocupação a menos.
A organização de locais especiais para passar e remendar a roupa oferecerá à mulher trabalhadora a oportunidade de dedicar-se às noites a leituras instrutivas, a distrações saudáveis, ao invés de passá-las como até agora em tarefas esgotantes.
Portanto, vemos que as quatro últimas tarefas domésticas que, todavia, pesam sobre a mulher de nossos tempos desaparecerão com o triunfo do comunismo.
Não terá do que reclamar a mulher operária, porque a sociedade comunista haverá acabado com o jugo doméstico da mulher para fazer sua vida mais alegre, mais rica, mais livre e mais completa”.