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“O Comunismo e a Família” - Alexandra Kollontai – Parte II

Apresentamos, a seguir, a 2ª parte do livro “Família e comunismo” da revolucionária russa Alexandra Kollontai.


“Trinta milhões de mulheres suportam uma carga dupla."


Como o salário do homem, a base do sustento da família, era insuficiente para cobrir as necessidades da mesma, a mulher se viu obrigada a procurar trabalho remunerado; a mãe teve que ir também à porta da fábrica. Ano a ano, dia a dia, foi crescendo o número de mulheres pertencentes à classe trabalhadora que abandonavam suas casas para engrossar as fileiras das fábricas, trabalhando como operárias, vendedoras, funcionárias, lavadeiras ou empregadas.


Segundo cálculos de antes da Grande Guerra, nos países da Europa e América, chegava a sessenta milhões o número de mulheres que ganhavam a vida com seu trabalho. Durante a guerra, esse número aumentou consideravelmente.


A imensa maioria dessas mulheres estava casada; fácil é imaginarmos a vida familiar que podiam desfrutar. Que vida familiar pode existir onde a esposa e mãe está fora de casa durante oito horas diárias, dez, melhor dizendo (contando a viagem de ida e volta)? A casa fica, necessariamente, descuidada; os filhos crescem sem nenhum cuidado maternal, abandonados a si mesmo em meio aos perigos da rua, na qual passam a maior parte do tempo.


A mulher casada, a mãe que é operária, dá seu sangue para cumprir com três tarefas que pesam ao mesmo tempo sobre ela: dispor das horas necessárias para o trabalho, o mesmo que faz seu marido, em alguma indústria ou estabelecimento comercial; dedicar-se depois, da melhor forma possível, aos afazeres domésticos e, por último, cuidar de seus filhos.


O capitalismo carregou para sobre os ombros da mulher trabalhadora um que a esmaga; a converteu em operária, sem aliviá-la de seus cuidados de dona de casa e mãe.


Portanto, a mulher se esgota como consequência dessa tripla e insuportável carga que com frequência expressa com gritos de dor e lágrimas.


Os cuidados e as preocupações sempre foram o destino da mulher; porém sua vida nunca foi mais desgraçada, mais desesperada que sob o sistema capitalista, logo quando a indústria atravessa um período de máxima expansão.


Os trabalhadores aprendem a existir sem vida familiar


Quanto mais se estende o trabalho assalariado da mulher, mais aumenta a decomposição da família. Que vida familiar pode haver onde o homem e a mulher trabalham na fábrica, em seções diferentes, se a mulher não dispõe nem sequer do tempo necessário para preparar uma comida razoavelmente boa para seus filhos?! Que vida familiar pode ser a de uma família em que o pai e a mãe passam fora de casa a maior parte das vinte e quatro


horas do dia, voltados a um duro trabalho que os impede de dedicar uns poucos minutos a seus filhos?!


Em épocas anteriores, era completamente diferente. A mãe, a dona de casa, permanecia em casa, se ocupava das tarefas domésticas e de seus filhos, aos quais não deixava de observar, sempre vigilante.


Hoje em dia, desde as primeiras horas da manhã, até soar a sirene da fábrica, a mulher trabalhadora corre apressada para chegar a seu trabalho; à noite, de novo, ao soar a sirene, volta correndo para casa para preparar a sopa e cuidar dos afazeres domésticos indispensáveis. Na manhã seguinte, depois de breves horas de sono, começa novamente para a mulher sua pesada carga. Não pode, portanto, surpreender-nos, o fato de que, devido a essas condições de vida, se desfaçam os laços familiares e a família se dissolva cada dia mais. Pouco a pouco vai desaparecendo tudo aquilo que convertia a família em um todo sólido, tudo aquilo que constituía suas bases de apoio, a família é cada vez menos necessária aos seus próprios membros e ao Estado. As velhas formas familiares se convertem em um obstáculo.


Em que consistia a força da família nos tempos passados? Em primeiro lugar, no fato de que era o marido, o pai, quem mantinha a família; em segundo lugar, o lar era algo igualmente necessário a todos os membros da família e em terceiro e último lugar, porque os filhos eram educados pelos pais.


O que fica atualmente disso tudo? O marido, como vimos, deixou de ser o sustento único da família. A mulher, que vai trabalhar, se converteu, nesse sentido, igual a seu marido. Fica, todavia, a função da família de criar e manter seus filhos enquanto são pequenos. Vejamos agora, na realidade, o que sobra dessa obrigação.


O trabalho caseiro não é mais uma necessidade


Houve um tempo em que a mulher da classe pobre, tanto na cidade como no campo, passava sua vida no seio da família. A mulher não sabia nada do que acontecia pra lá da porta de sua casa e é quase certo que tampouco desejava saber. Em compensação, tinha dentro de sua casa as mais variadas ocupações, todas úteis e necessárias, não só para a vida da família em sí, mas também para a de todo o Estado.


A mulher fazia, é certo, tudo o que hoje faz qualquer mulher operária ou camponesa. Cozinhava, lavava, limpava a casa e passava a roupa da família. Porém, não fazia isso sozinha. Tinha uma série de obrigações que já não têm as mulheres de nosso tempo: manipulava a lã e o linho, tecia as telas e os adornos e se dedicava, na medida das possibilidades familiares, às tarefas de conservação de carnes e demais alimentos; destilava as bebidas da família e inclusive modelava velas para a casa.


Quão diversas eram as tarefas da mulher nos tempos passados! Assim passaram a vida nossas mães e avós. Ainda em nossos dias, nas aldeias mais remotas, em pleno campo, sem contato com as linhas de trem ou longe dos grandes rios, pode-se encontrar pequenos núcleos onde se conserva, todavia, sem modificação alguma, este modo de vida dos bons tempos do passado, em que a dona de casa realizava uma série de trabalhos dos quais a


mulher trabalhadora das grandes cidades ou das regiões de grande população industrial não tem noção, desde há muito tempo.


O trabalho industrial da mulher no lar


Nos tempos de nossas avós eram absolutamente necessários e úteis os trabalhos domésticos da mulher, do que dependia o bem-estar da família. Quanto mais se dedicava a dona de casa a essas tarefas, melhor era a vida no lar, mais ordem e abundância se refletiam na casa. Até o próprio Estado podia se beneficiar bastante das atividades da mulher enquanto dona de casa. Porque, na realidade, a mulher de outros tempos não se limitava a preparar purês para ela ou sua família, suas mãos produziam muitos outros produtos de riqueza como telas, linho, manteiga, etc., coisas que podiam ser levadas ao mercado e ser consideradas como mercadorias, como coisas de valor.


É certo que nos tempos de nossas avós e bisavós o trabalho não era avaliado em dinheiro. Porém, não havia nenhum homem, fosse camponês ou operário, que não buscasse como companheira uma mulher com "mãos de ouro", frase, todavia, proverbial entre o povo.


Porque só os recursos do homem, sem o trabalho doméstico da mulher, não bastavam para manter o lar.


No que diz respeito aos bens do Estado, aos interesses da nação, coincidiam com os do marido; quanto mais trabalhadora era a mulher no seio da família, mais produtos de todos tipos se produzia: telas, couros, lã, cujo excedente podia ser vendido no mercado das redondezas; consequentemente, a dona de casa contribuía para aumentar em seu conjunto a prosperidade econômica do país”.

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