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Bom ou não, Enem ainda é elitista

Realizado entre os dias 04 e 11 de novembro, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), de 2018, foi alvo de intensas críticas dos setores conservadores, inclusive com manifestações do futuro presidente, Jair Bolsonaro, contra questões que apresentaram pautas progressistas, que para ele devem ser extirpadas da Educação, como as que abordam com cientificidade e respeito as chamadas minorias (mulheres, negros, indígenas, LGBTs, quilombolas).  A reação era esperada já que a Educação pública virou o centro das atenções dos setores que estão a serviço dos interesses privatistas.

Na última década, o Enem tornou-se a principal ferramenta para o acesso às universidades federais brasileiras, antes restrito aos vestibulares regionais, com milhões de alunos tentando, anualmente, ingressar no ensino público superior.
Criado em 1998, o Enem teve seu ápice entre os anos de 2012 a 2016, durante os governos Lula e Dilma, quando evoluiu de 5.791.332 inscritos para 8.627.371, respectivamente. Entretanto, dos dois últimos anos o que se observa é uma queda no número de inscritos: foram 6.731.186, em 2017, e 5.513.662, em 2018, o índice mais baixo desde 2012. Tais dados evidenciam que o aumento no número de inscritos deveu-se tanto à ampliação de vagas no ensino superior público, divulgação e estímulo para a participação dos jovens no Exame, quanto, e principalmente, à relação que se estabeleceu entre o Enem e a iniciativa privada. Um dos exemplos categóricos dessa política é o Prouni (Programa Universidade para Todos), cuja finalidade é a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais em instituições de ensino superior privadas, em troca de isenção de tributos. Criado pelo governo Lula, o Prouni foi institucionalizado em 2005 e impulsionou a ampliação da rede privada no País. Já a redução da procura pelo Enem está ligada à crise econômica e ao próprio desmonte da educação pública, que têm agravado a evasão escolar no Ensino Médio.


Moralismo como “cortina de fumaça” para os interesses privatistas


A redação do Enem 2018 teve como tema "A Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet", um mote bastante debatido por causa da crescente polêmica em torno das “fake News”, no Brasil e no mundo, principalmente durante o período eleitoral. Como essa discussão está ligada à recente eleição de Bolsonaro, as análises sobre o Enem passaram a ser politizadas desde a redação. A prova tornou-se alvo dos articuladores do governo que pretendem privatizar a educação e perseguir professores e alunos que se colocam na luta em defesa da escola pública. As críticas ao Exame, vindas do futuro presidente, utiliza os mesmos argumentos hipócritas que fundamentam a iniciativa do projeto “Escola Sem partido”, ou seja, acusar um suposto “desvio de conduta” moral da escola em relação à educação sexual para poder atacá-la com o apoio de setores confusos e reacionários.

Em vídeo divulgado pelas redes sociais, Bolsonaro disparou seus impropérios autoritários e afirmou que, em seu governo, não aceitará polêmicas e que terá acesso prévio às questões das provas. Algo impensável em um sistema de ingresso cujo sigilo é fundamental para a sua credibilidade. Trata-se da censura prévia, aos moldes da Ditadura Militar. Nesse período de transição, várias declarações e escolhas na equipe que formará o novo governo deixaram claro que a censura e o autoritarismo serão as principais ferramentas para se colocar em prática o desmonte da educação pública. Inclusive, o futuro ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, um defensor do Escola Sem Partido, disse em uma de suas primeiras declarações após a indicação à pasta, que irá permitir que Bolsonaro tenha acesso prévio às provas do Enem, antes de serem aplicadas aos alunos.

Contudo, a pauta progressista, evidenciada em algumas questões da prova do Enem (elaboradas por especialistas em educação que ainda não estão sob o controle do governo fascista que Bolsonaro pretende impor), não tira dela seu caráter excludente e elitista.

Isso porque o próprio sistema de vestibular é para expurgar os filhos da classe operária das universidades. No atual contexto, a abordagem de temas libertários, baseada em debates acadêmicos, tende a favorecer as elites cujos filhos ficarão com as melhores vagas nas melhores universidades do País e que usam o conservadorismo dos costumes apenas como mote para oprimir a classe trabalhadora. Quando, em um programa popular de televisão, Bolsonaro criticou a questão do Enem que tratava do “pajubá”, dialeto “secreto” utilizado por gays e travestis, argumentando que não se tratava de “conhecimento”, ele buscou dialogar com a parcela mais empobrecida e desprovida de conhecimento formal que, em grande parte, sequer tem acesso ao Enem ou almeja o ensino superior. A ignorância que ele comprovou ter em relação ao assunto, confundindo termos (por exemplo, dialeto com dialética) e afirmando que “quem ensina sexo é papai e mamãe”, passa despercebida pelos que não são especialistas no assunto, a maioria esmagadora da população.

Em compensação, as melhores notas no Enem virão de alunos superpreparados pelas escolas mais caras do País, onde esse tipo de crítica simplória não tem vez. Ou seja, o proselitismo de Bolsonaro acerca da educação não passa de um mecanismo para ganhar o apoio das massas, brutamente afetadas pelo desmonte da educação pública, proposta que está no projeto político da extrema-direita.

Como tudo que se refere ao futuro governo, as explícitas apreciações moralistas sobre temas e metodologias educacionais, que agravam a discriminação das “minorias” (negros, homossexuais, mulheres, índios, etc.), têm por objetivos fomentar o caráter persecutório contra os grupos de ativistas que atuam em favor da Educação Pública como um direito democrático da população.


Enem e vestibular: funis para o acesso ao ensino superior


A mudança no formato de seleção não foi capaz de suprir a desigualdade no acesso às universidades federais. O Enem não rompeu com os entraves sociais que impossibilitam o ingresso da população pobre no ensino superior pelo vestibular. O processo de precarização do ensino básico na escola pública, para justificar o atual projeto privatista, retira dos jovens da classe trabalhadora as chances de disputar em pé de igualdade com os filhos da elite que frequentam os colégios mais caros e que, consequentemente, mais aprovam alunos no Enem. Por exemplo, o Colégio Vértice de São Paulo possui uma das melhores médias do Enem e tem a mensalidade mais cara entre as escolas melhor colocadas no ranking do INEP. Em 2017, o valor da mensalidade para cursar o ensino médio no Vértice estava acima de R$ 4 mil.

Para a juventude da escola pública, restam apenas as vagas do Prouni, um mecanismo feroz de avanço da educação de péssima qualidade da iniciativa privada, cujas instituições visam apenas o lucro. Ainda assim, uma parcela pequena dessa juventude alcança o ensino superior, dada a situação precária, que tende a se agravar, da educação básica pública.


Por uma educação acessível a todos


Não se pode negar que a ampliação do acesso ao ensino superior com o Enem e o sistema de cotas representou conquistas da classe trabalhadora nos últimos anos. Mas a desigualdade permaneceu gritante e a tendência é que seja ampliada no próximo período. O projeto privatista para a educação brasileira, há décadas em andamento, será reforçado com a ascensão de um governo de extrema-direita, “menino de recado” do imperialismo. Com a Reforma do Ensino Médio e a EC95, aprovadas pelo governo golpista de Michel Temer, além do projeto “Escola Sem Partido”, menina dos olhos da equipe econômica do próximo governo, a educação será mais uma das ferramentas de extração de lucro dos capitalistas em crise.

A luta imediata da classe trabalhadora e do movimento estudantil deve ser para garantir a educação pública e de qualidade, um direito historicamente conquistado pela classe trabalhadora. Em um momento de intensos ataques, a manutenção de sua existência deve estar na ordem do dia. O fim do vestibular, com livre ingresso de todos, é uma pauta antiga da esquerda e deve ganhar a consciência popular. A polêmica sobre a prova do Enem, longe de ser um risco a um suposto caráter democrático da prova, apenas reforça a intenção do próximo governo em destruir as mínimas chances dos mais pobres cursarem o ensino superior. O objetivo é liquidar a qualidade já bastante deteriorada da educação brasileira, por meio da implementação do projeto dos grupos econômicos que levaram Bolsonaro ao poder, entre eles, os tubarões da Educação privada, como Paulo Guedes.

Nem Enem, nem vestibular!! Livre acesso às universidades públicas.

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