Cildo Meireles é um artista
plástico nascido no Rio de Janeiro, em 1948. Consolidou sua carreira, no Brasil
e no exterior, se distanciando das artes tradicionais e apresentando um
trabalho com caráter político e conceitual, tanto por sua forma de concepção,
como por sua forma de circulação.
Na década de 70, produziu um de
seus mais importantes trabalhos: o projeto Inserções
em circuitos ideológicos, no qual realiza duas abordagens, uma com
interferências em garrafas retornáveis de Coca-Cola e outra em cédulas de
dinheiro (cruzeiros e dólares). Nesses objetos, o artista sobrepunha frases de
caráter político que infringiam o status
quo da época – hora criticando a política americana expansionista,
intervencionista e hegemônica, hora a dolorosa realidade
política-social-econômica brasileira.
Em "Inserções em circuitos ideológicos: projeto cédula", de
1975, Cildo Meireles trata da morte de Vladimir Herzog, ocorrida no período de
censura mais duro da Ditadura Militar, que se seguiu com a promulgação do AI-5
(Artigo Institucional - 5), em 1968. Em várias notas de um cruzeiro, moeda
corrente no período militar, Meireles carimbou a pergunta: "Quem matou
Herzog?".
Vladimir Herzog era um jornalista
atuante na direção da TV Cultura, de São Paulo, e militante do Partido Comunista
Brasileiro, que após ser convocado por agentes do II Exército para um interrogatório,
em outubro de 1975, nunca mais retornou. A versão oficial de sua morte,
anunciada pelos militares, foi que ele teria cometido suicídio. As circunstâncias,
porém, confirmaram que ele havia sido torturado até a morte.
Com a mensagem explícita e anônima
– “Quem matou Herzog?” – carimbada nas notas de um cruzeiro, Cildo Meireles,
além de denunciar o assassinato do jornalista, fez circular a informação que
pelos órgãos de poder oficial (TV, Rádio, Imprensa) seria censurada.
Conforme o próprio artista afirmou,
este trabalho funcionou como um “Grafitti que se movimenta, as cédulas são
veículo de uma ação tática clandestina, uma prática eminentemente social e
perceptível como artística”.
As notas carimbadas corriam fora
do circuito das artes, atingindo um grande e indefinido público, explicitando a
concepção de arte do artista, como meio de democratização da informação e da
sociedade e, ao mesmo tempo, propondo um debate sobre a problemática do direito
privado, do mercado e da elitização da arte.
A reprodução dos trabalhos que
realizou nesse período era livre e aberta a toda e qualquer pessoa, sem haver
distinção das peças originais, negando assim a figura genial do artista e a
supervalorização do objeto de arte.
Com a obra “Quem matou Herzog?”, Cildo
fez com que sua indignação e seu protesto circulassem livremente, com
autonomia, sem sofrer qualquer tipo de repressão, demonstrando as relações
entre estética e política ao colocar a arte como provocadora de sensibilizações
e tornando-a veículo de uma “ação tática clandestina” de resistência política –
descondicionadora de uma ordem preestabelecida –, instigando a ampliação das
formas do homem se organizar, ser e estar nesse mundo.
A obra é uma crítica à censura durante
a Ditatura Militar, mas, como arte, desperta leituras que nos faz refletir o
atual cenário político-social-econômico brasileiro, ratificando sua
contemporaneidade. O controle da informação está diretamente relacionado ao
poder econômico. A imprensa corporativa e todas as formas de socialização da
informação e do conhecimento estão sob o controle da burguesia, que as manipulam
em nome de seus interesses de classe. Difundir a contra-ideologia em notas de
dinheiro é, literalmente, mostrar o outro lado da moeda que circula livremente
entre o povo.