O fim da escravidão no Brasil foi marcado por um longo processo de deterioração social e econômica. As pressões nacionais e internacionais, a falta de lucro dos escravagistas, a entrada de imigrantes e, principalmente, as intensas lutas contra a resistência quilombola levaram a coroa brasileira a assinar, em 1888, via princesa Isabel, a Lei Áurea, que acabava com o trabalho escravo e tornava os negros escravizados livres. É preciso salientar que não foi um ato isolado de uma “princesa iluminada” que assegurou a abolição da escravidão. Na verdade, foi um intenso período de lutas do povo negro que levou ao fim dessa mácula.
Porém, a liberdade não veio acompanhada das condições mínimas de sobrevivência para a população negra. Os negros recém-libertos foram marginalizados pela sociedade, que continuava a lhes explorar, mas de outras formas. Os antigos moradores das senzalas se viram sem moradia nas cidades, para onde se deslocavam, sem condições de sobrevivência e, ainda, discriminados pela cor da pele, competindo com a mão de obra europeia por vagas de emprego.
Políticas de compensação para os fazendeiros que perderam a mão de obra escrava foram colocadas em ação pela coroa e, em seguida, pela República, além de uma política chamada Lei de Terras, datada de 1850, que tornava impossível que pobres e ex-escravizados tivessem acesso a terra. Para inviabilizar qualquer indenização aos ex-escravizados, e em nome da "fraternidade e solidariedade com a grande massa de cidadãos que, pela abolição do elemento servil, entrava na comunhão brasileira", o então ministro da fazenda do governo Deodoro da Fonseca, Rui Barbosa, ordenou, em 14 de dezembro de 1890, a destruição de todos os livros de matrículas de escravos, os quais eram da guarda dos cartórios de ofício dos municípios e os documentos do Ministério da Fazenda referentes à escravidão. Ou seja, além de não fazer nenhum esforço para integrar os negros recém-libertos na sociedade brasileira, o governo logo tratou de excluir a maior parte dos registros que podiam ser mobilizados em seu favor.
Reflexos da escravidão e a segregação
Ainda hoje, não é difícil encontrar lugares onde os negros não são bem vindos. O racismo não tão velado da sociedade continua gerando inúmeros elementos de segregação. Vários são os relatos de pessoas negras sendo expulsas de bares e casas de shows, apenas pela cor da pele, com a desculpa de que “não fazem o perfil da casa”. Ainda sobre o racismo, 93% da população reconhece que existe racismo no Brasil e, mesmo o racismo sendo crime inafiançável, 3% afirma abertamente que prefere não conviver com negros.
Essa ação discriminatória tem uma base estritamente material. O Brasil foi um dos últimos países a abolir a mão de obra escrava – é o país com a maior população negra fora do continente africano e as mazelas de suas raízes escravocratas atingem a população negra até os dias atuais. Mais de 52% da população brasileira se declara negra ou parda. Os negros são a maioria dos moradores das favelas e periferias e, em média, recebem 28% menos que a média salarial praticada no território nacional.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), um jovem negro morre no Brasil a cada 23 minutos. A taxa de analfabetismo é 11,2% entre os pretos e 5% entre os brancos; 18% dos adultos brancos possuem curso superior contra 8% dos negros. Entre aqueles com curso superior, a renda média de um homem negro é de R$ 4,8 mil (contra R$ 6,7 mil de um homem branco) e de R$ 2,9 mil para mulher negra (contra R$ 3,8 mil para uma mulher branca). Dados da UNESCO indicam que jovens negras têm 2,19 vezes mais chances de serem mortas do que as brancas na mesma faixa etária. O nível de qualidade de vida dos negros está uma década atrasada em relação ao dos brancos, conforme mostra o PNUD (Programa para o Desenvolvimento da ONU) e o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Segundo o estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), nas favelas e periferias, 72% dos habitantes das comunidades se declaram negros e 81% declararam já terem sido discriminados. O estudo mostra a predominância da população negra em favelas, o que reforça a sua maior vulnerabilidade social. Na distribuição de acordo com o chefe da família, 40,1% das casas são chefiadas por homens negros, 26% por mulheres negras, 21,3% por homens brancos e 11,7% por mulheres brancas. As políticas afirmativas e de inclusão para essa parcela da população são tímidas e fracas, e não atacam diretamente a raiz do problema, sendo apenas medidas paliativas para um problema maior: o racismo estrutural que fora instalado no Brasil desde o início da escravidão.
Pela emancipação dos negros e dos trabalhadores
O racismo é uma das várias formas de opressão do capitalismo sobre a população negra, embora não a única. Ele é fundamental para manter parte da população em situação subalterna. Quanto mais lucro pode ser extraído da exploração do trabalho dessa grande parcela da classe trabalhadora, melhor para os capitalistas. A superexploração, a falta de direitos e a miséria, potencializam a discriminação. Assim, para que a população negra se emancipe do estigma da escravidão é necessário que a opressão que sofre seja retirada em sua base material, que no capitalismo é o combustível que leva a todas as outras formas de exploração.
Não só a vida dos negros é avaliada pela quantidade de mais-valia que pode ser extraída dela, a existência de toda a classe trabalhadora é assim vista pelos grandes empresários e barões da oligarquia financeira. Para o imperialismo mundial, apenas o lucro importa. As condições de trabalho devem ser precárias, as remunerações baixas e os direitos trabalhistas escassos para que uma maior parcela de lucro seja extraída do proletariado direto para os bolsos desses oligarcas. Em tempos de crise econômica, quanto pior para os trabalhadores, melhor para eles.
No capitalismo, a base de praticamente todas as formas de opressão é financeira, pautada em quanto lucro os grandes empresários conseguem tirar do proletariado. É chegada a hora de todos os trabalhadores, negros e brancos, elevarem sua consciência de classe e perceberem que são todos oprimidos a todo tempo pelo capitalismo, de várias formas diferentes. Apenas com a elevação dessa consciência pela classe trabalhadora estaremos prontos para lutar contra as várias formas de opressão que a sociedade capitalista nos submete.