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“Curso como o de Educação do Campo são espaços de reafirmação da luta por direitos”

Jornal Gazeta Operária (JGO) entrevistou a coordenadora do curso em Licenciatura em Educação do Campo, Eliene Rocha, para falar sobre o surgimento dessa licenciatura, sua relação com os movimentos sociais e as perspectivas para o curso nesse momento de ataques aos direitos.

JGO: Quando e como surgiu o Curso de Licenciatura em Educação do Campo?

Eliene Rocha: O Curso de Licenciatura em Educação do Campo nasceu em 2007, como demanda e pressão dos movimentos sociais e sindicais do campo, que vinham demandando do Estado políticas de formação de professores para atuar nas escolas do campo, desde a realização da I Conferência Nacional de Educação do Campo, realizada em 1998. O Ministério da Educação construiu, por dentro do Grupo de Trabalho em Educação do Campo, uma proposta preliminar e quatro Instituições de Ensino Superior foram convidadas a fazer o projeto piloto do Curso. Neste momento, foram as Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal de Sergipe (UFS) as primeiras a realizarem a proposta. Atualmente, são 42 cursos sendo desenvolvidos por 32 Instituições de Ensino Superior em todo o Brasil. A UnB está ofertada a sua 15ª turma em formação, sendo que sete delas já se formaram.
A licenciatura tem sua proposta pedagógica construída a partir dos cursos de formação do Programa Nacional de Educação nas Áreas de Reforma Agrária (PRONERA). O PRONERA nasceu em 1997, como resposta do governo FHC à pressão social dos movimentos de luta pela terra, pelo Massacre de El Dourado dos Carajás que matou 21 trabalhadores rurais, assinados pela Polícia Militar no estado do Pará.
O PRONERA completou 20 anos, em 2018, e a Licenciatura em Educação do Campo completou 10 anos, em 2017. Estas duas políticas representam o marco de construção de políticas públicas como ação afirmativa para a classe trabalhador camponesa, que amplia o acesso à educação, em todos os níveis de ensino, desde a alfabetização de jovens e adultos ao ensino superior e a pós-graduação.

JGO: Qual a possibilidade de o curso de licenciatura em educação do campo ser diretamente afetado com os intensos cortes no orçamento da educação pública brasileira?

Eliene Rocha: As medidas econômicas liberais adotadas pelo governo atual, como a Emenda Constitucional nº 95, que congela os investimentos totais do País para assegurar os lucros ao capital financeiro; a entrega do pré-sal aos grandes conglomerados transacionais dos combustíveis, aliado à abertura do capital da Petrobras para o setor privado, causa principal da crise dos combustíveis; a Reforma Trabalhista e os ataques sobre a Previdência Pública; os cortes orçamentários, contingenciamentos e criminalização das ações dos/as docentes, gestores e das próprias Universidades e Institutos Federais, colocando em risco a autonomia universitária.
O corte de recursos nas políticas sociais, o corte de bolsas para estudantes de baixa renda que conseguiram ingressar na Universidade, a exemplo dos quilombolas, indígenas, camponeses e outros oriundos da escola pública ameaçam a presença destes na universidade, pois as questões de sobrevivência da classe trabalhadora é sobreposta à necessidade de estudar.
As Instituições de Ensino Superior que têm profissionais com compromisso com a classe trabalhadora vem buscando assegurar as condições para a manutenção destes estudantes, para que possam continuar estudando. Na UnB, esse esforço tem sido reafirmado com a construção do alojamento Estudantil Dom Tomás Balduíno, que garante as condições de permanência aos estudantes no período em que estão em atividades de aula, no tempo Universidade, além de políticas de alimentação com a instalação do Restaurante Universitário sem custo para os que estão em situação de vulnerabilidade social. Também garante a Ciranda Infantil, espaço educativo que recebe as crianças de quatro a oito anos de idade, de mães estudantes que não têm onde deixar os seus filhos para poderem frequentar a Universidade. Estás, porém, não são as condições ideais, há que se avançar na garantia de direitos e na ampliação do número de jovens camponesas na educação.
No entanto, essa não é a realidade de muitos cursos de Licenciatura em Educação do campo pelo país. Em algumas delas, os estudantes não têm as condições mínimas para frequentar a Universidade, dormem, comem e se mantêm durante as etapas de tempo universidade de forma precária, isso quando não desistem de estudar. Essa é uma realidade ainda muito latente.
Existem várias formas de coibir a entrada e a permanência da classe trabalhadora à educação. A retirada de direitos arduamente conquistados ou mesmo a precarização das condições de vida são estratégias recorrentes, utilizadas para mantê-la alienada, mantê-la subordinada. O conhecimento liberta e emancipa – é uma ferramenta temida pelas elites deste país.
Cursos como estes, e outros que existem no Brasil, são espaços de reafirmação da luta por direitos. Eles precisam ser potencializados e ampliados pelos movimentos sociais e sindicais e pelas organizações que buscam construir uma sociedade mais igual e justa socialmente.

JGO: Qual a perspectiva de projetos que cerceiam os professores idelogicamente, como o projeto Escola Sem Partido, para um curso que é fruto da luta de movimentos sociais?

Eliene Rocha:  A ofensiva da Escola sem Partido, a militarização das escolas, a criminalização das ações dos Movimentos Sociais Populares e Sindicais e a judicialização dos projetos desenvolvidos com estes sujeitos coletivos são formas de controlar e criminar as lutas da classe trabalhadora.
O fascismo, a homofobia e a intolerância religiosa, cada vez mais frequente no momento atual, são usados para justificar o patrulhamento ideológico, que coloca muitas vezes as famílias contra os professores, alunos contra professores, sugerem, ainda, que os próprios alunos fiscalizem e denunciem seus professores.
Escola sem partido é uma forma de controle ideológico, mas também pedagógico. Projetos como esse apresentam uma falsa ideia de que a escola é neutra, de que o conhecimento não representa uma relação de poder estabelecida historicamente. De que existe uma separação abissal entre quem detém o poder do conhecimento e quem não tem. Neste processo, o que entra na rota de criminalização são as teorias pedagógicas que apontam para emancipação humana, que desafiam a classe trabalhadora a compreender sua condição de exploração, autores como Paulo Freire, Karl Marx e outros passam a ser condenados como ideológicos porque desafiam o povo a pensar, a se organizar, a fazer uma leitura crítica da realidade.
O que está por trás de Projeto é o controle do que os professores devem ensinar. Visa criar um processo de monitoramento social daquilo que é ensinado, mas não é qualquer assunto que interessa a esse controle, o que interessa controlar são as ideias de organização, que fazem pensar, que questionam as condições de vida em que as pessoas estão envolvidas, para que não aceitem essa condição como natural ou de vontade divina. Querem impedir que a classe trabalhadora tenha consciência de sua real condição social, que estas condições resultam da sua exploração e da sonegação de direito. Enfim, o papel do Escola sem Partido, é impedir o livre pensar, é impedir a conscientização, pois pessoas conscientes lutam por seu direitos, questionam a ordem e não aceitam pacificamente a exploração e a ausência de direitos.

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