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Porque o aborto na Argentina foi vetado?

O Senado da Argentina rejeitou, no último dia 9 de agosto, o projeto que propunha a legalização do aborto no país, que já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados, no dia 14 de junho deste ano. Para a legalização ser aprovada era necessário que a maioria simples, 37 dos 72 senadores, tivesse votado a favor. Com a negação do projeto, a legislação do País segue como está: o aborto é crime e pode ser punido com até quatro anos de prisão.

Desde a aprovação do casamento gay, em 2010, nenhum tema havia polarizado tanto os argentinos. De acordo com o jornal argentino La Nación, o maior motivo que pode explicar o resultado dessa votação foi a interferência direta da igreja católica, que fez exaltar sua influência nas províncias do norte do país, predominantemente contrárias à legalização do aborto.
Com missas, procissões, marchas e até a ingerência pública do Papa Francisco, comparando o aborto ao nazismo dois dias depois da aprovação do projeto na Câmara, a Igreja Católica mobilizou-se contra a luta das mulheres argentinas pelo direito de decidir sobre seu corpo e de não ser presa por optar por interromper uma gravidez indesejada. Essa influência conservadora pesou na decisão dos políticos eleitos que contrariaram a expectativa da maioria da população. Uma pesquisa feita pelo Centro de Estudos de Estado e Sociedade (Cedes) e pela Anistia Internacional Argentina, divulgado em março deste ano pelo jornal BBC, apontava que 59% dos argentinos aprovavam a descriminalização do aborto.

Essa discussão em torno da legalização do aborto deixou nítido a polarização da sociedade argentina, em razão da crise econômica e política pela qual passa o País e o mundo. A radicalização das massas é um processo esperado quando a população trabalhadora sofre com os planos de austeridade de governos neoliberais. Ainda assim, Macri se mostra centrista ao atender parcialmente a demanda da população, mas ao mesmo tempo sofrer com os fortes assédios das alas mais truculentas do imperialismo.

A luta das mulheres argentinas para a aprovação do projeto mostrou que a política de retirada de direitos, contenção de gastos e repressão às liberdades democráticas deve enfrentar ainda muitos entraves e que será necessário um governo mais forte para conter a ascensão da classe trabalhadora.

No seu site, o Partido Obreiro (PO) divulgou uma carta do Plenário dos Trabalhadores aos que compõem a Campanha Nacional pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito, na qual propõe “trabalhar para ganhar o chamado para um referendo obrigatório. A Câmara de Entrada da Lei de Consulta Popular é composta de Deputados, onde a maioria já votou pelo aborto legal, seguro e gratuito. A lei que é votada por consulta popular seria a que obtivesse uma meia sanção dos Deputados. Se eles se recusarem a lidar com a proposta, não faremos mais do que colaborar ainda mais com um esclarecimento que as partes do governo procuram evitar. Se a ação do movimento de mulheres, com pañuelazos, mobilização, junto com assinaturas, conseguisse impor o tratamento, buscaríamos crescer na aceitação popular através de uma ação militante nacional sem precedentes”.



Decisão sobre o aborto deve ser da mulher



 
Ainda segundo o jornal La Nación, os dados sobre o número de abortos e mortalidade materna por essa prática ilegal contribuiu para que projeto tivesse aprovação na Câmara. Fato é que, conforme a população empobrece, mais abortos clandestinos são cometidos e, consequentemente, mais mortes de mulheres acontecem.

Sobre este ponto, o ministro da Saúde argentino, Adolfo Rubinstein, defensor do projeto de lei que propunha legalizar a interrupção da gravidez até 14 semanas, assinalou que, de acordo com estimativas de despesas para o sistema de saúde em hospitalizações resultantes de complicações em abortos clandestinos, o custo seria reduzido de $ 11.500 para $ 1.914, em cada caso, se a prática fosse legal e assistida por equipe médica especializada.

Além disso, o ministro afirmou que a legalização reduziria o custo de medicamentos usados para abortos médicos, como o misoprostol, que agora está disponível online, em valores que variam entre US$ 3.000 e US$ 5.000. "Com os procedimentos de licitação pública será 30 vezes menor (...). Os dados são muito fortes", acrescentou o ministro, insistindo que a legalização do aborto "reduz as mortes e as complicações das hospitalizações".

Apesar de a realidade apontar para um cenário cruel para as mulheres pobres que não podem levar adiante uma gravidez, a crise econômica mundial é sistêmica e coloca os donos do mundo numa política de “salve-se quem puder”, sendo capazes de manter ou colocar os trabalhadores à mercê de qualquer condição degradante de vida. Com a proibição do aborto, as mulheres são aprisionadas a obrigações maternas que muitas vezes não têm condições materiais e/ou emocionais para enfrentar e ainda são culpabilizadas pelo seu fracasso social. As políticas de superexploração da classe trabalhadora, com a retirada de direitos e a subjugação a trabalhos cada vez mais precários, têm no fortalecimento do conservadorismo o seu apoio moral. As mulheres são metade da classe trabalhadora, portanto, restringir seus direitos democráticos é parte dos planos para lhes controlar e anular sua incidência política.



Direita brasileira começa a pontuar discussão sobre o aborto



Nas últimas semanas o Supremo Tribunal Federal (STF) deu início a uma série de audiências públicas para tratar da descriminalização do aborto até a 12º semana de gestação. Os pedidos foram feitos pela ministra Rosa Weber, relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442 (ADPF 442), que questiona os artigos 124 e 126 do Código Penal, em oposição aos princípios fundamentais da Constituição, como a liberdade e a igualdade. A ação foi impetrada pelo PSOL e pelo Instituto de Bioética (Anis), em março de 2017.

Até o momento, duas audiências públicas foram realizadas, nos dias 6 e 8 de agosto de 2018. Após as audiências, Rosa Weber irá avaliar o material colhido e elaborará o voto. Seu parecer será encaminhado para a presidenta do Supremo, Carmem Lúcia, que colocará o tema em pauta e marcará o julgamento com todos os ministros do STF. Contudo, não há prazo para que isso ocorra e, a julgar por outras ações, como a da anencefalia, que durou oito anos para sair uma decisão, o julgamento sobre o aborto (tema ainda mais polêmico) demorará anos para ser concluído.

O fato é que a classe operária não pode colocar suas lutas nas mãos dos órgãos repressivos do Estado, ainda mais no judiciário, que tem se mostrado o poder mais alinhado com os interesses dos capitalistas. Apenas a luta e a pressão popular farão avançar qualquer direito democrático da população e, mesmo conquistado no papel, uma luta ainda maior terá que ser travada para sua aplicabilidade.

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