A educação pública, teoricamente, é um dos direitos mais básicos da classe trabalhadora. Segundo o Art. 205 da Constituição brasileira de 1988, “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Contudo, o que vem sendo colocado, de maneira ainda mais acentuada depois do golpe de Estado de 2016, é a completa destruição da educação pública no Brasil. Em um plano de longo prazo, o que está sendo imposto é a precarização da educação pública com a retirada de investimentos, ao ponto que ela se torne inviável. A Emenda Constitucional (EC) 95, aprovada em 2016, limitou e congelou o teto dos gastos públicos sociais por 20 anos. Num país em que já falta infraestrutura básica em grande parte das escolas e que paga um salário medíocre aos professores, a tendência dos próximos anos é que a situação se deteriore ainda mais.
O fosso entre escola pública e privada só cresce. No final do ano passado, foi aprovada a nova Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio (a do ensino fundamental tinha sido aprovada em 2017). No novo currículo, apenas Língua Portuguesa e Matemática foram mantidas como disciplinas obrigatórias a serem oferecidas no Ensino Médio. As disciplinas das ciências da natureza e das ciências humanas serão parte de um “itinerário formativo”, que poderá ser feito à distância ou em atividades extra-escolares.
A nova BNCC, além de desempregar milhares de professores de biologia, química, física, história, geografia, sociologia e filosofia, significará evasão escolar e educação de péssima qualidade para os mais pobres. Além disso, a pesquisa da TIC Domicílios (Tecnologias da Informação e da Comunicação), realizada em 24 de julho de 2018, concluiu que um terço dos domicílios não tem acesso à internet no Brasil, o que, certamente, inviabiliza a educação à distância para alunos das classes baixas.
Lunáticos no MEC
As pessoas colocadas à frente do Ministério de Educação (MEC) são outro exemplo deste sucateamento programado na educação. O próprio ministro da educação, Ricardo Vélez Rodríguez, foi uma indicação controversa do guru da direita conservadora, Olavo de Carvalho, que dentre outras alucinações, já falou que o refrigerante Pepsi é feito de fetos abortados e que o cigarro não faz mal à saúde.
Mostrando que segue bem o seu mestre, em entrevista recente, concedida à Revista Veja, Vélez Rodríguez afirmou que “o brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas de hotéis, rouba assentos salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo”. Para o ministro da educação, o brasileiro médio é um animal irracional que não tem nenhum autocontrole e que isso é um problema a ser resolvido nas escolas. Tal afirmação revela apenas o ódio de classe, sem fundamento na realidade, e demonstra o despreparo técnico do ministro em abordar temas relativos à educação nacional.
Para piorar a situação, o MEC soltou uma nota oficial, no dia 31 de janeiro, para atacar o colunista do jornal O Globo, Ancelmo Góis, que criticou a retirada do ar de vídeos em Libras sobre a história de filósofos e economistas como Karl Marx, Friedrich Engels, Antônio Gramsci, Friedrich Nietzsche e Marilena Chauí da página do Instituto Nacional de Educação para Surdos (Ines). Primeiro, Veléz mentiu ao afirmar que os vídeos foram retirados no governo anterior. Depois, piorou a situação ao tentar explicar que é favorável à pluralidade de ideias, acusando o jornalista do O Globo de ser um “agente treinado no serviço secreto da antiga União Soviética”.
O discurso anticomunista típico da Guerra Fria ganha novo corpo no Brasil, sob a orientação direta de Olavo de Carvalho. Os impropérios característicos do guru de direitistas aloprados agora se manifestam em textos oficiais, como essa nota do ministro colombiano que está à frente de um dos ministérios mais importantes do governo, o MEC. Tudo isso já era uma tragédia anunciada. Bolsonaro foi eleito proferindo falsos discursos, afirmando, sem qualquer fundamento, a existência de um tal “kit gay” e de uma “doutrinação comunista” nas escolas e universidades brasileiras.
Na verdade, os meios de educação ditos oficiais são mecanismos de reprodução das ideias do Estado. Nunca vivemos, no Brasil, um regime socialista, nem nada perto disso. O que existe na educação pública é a reprodução da desigualdade de classes, em favor dos interesses das classes dominantes, que dominam o Estado. Ainda assim, os novos governantes querem destruir qualquer possibilidade de transmissão aberta de privilégios que possam advir da escola e do conhecimento. Parecem lunáticos, mas agem para favorecer o setor privado e para evitar qualquer reação popular contra suas medidas.
Homeschooling como solução?
Ainda que a educação pública esteja pautada na lógica de interesses classistas, ela é uma conquista histórica da classe trabalhadora. Mais que isso, é onde os filhos do proletariado vão se instruir para não serem completamente embrutecidos pela dura realidade de exploração pelo trabalho. E é justamente acabar com isso que quer o novo ministro da Educação, quando afirmou, em entrevista ao jornal Valor, que a “ideia de universidade para todos não existe [...]. As universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual”. Quem seria essa elite intelectual se não os filhos da elite financeira, que tiveram maiores recursos materiais e tempo para se dedicar aos estudos?
Mas não é só da universidade que o governo Bolsonaro quer afastar a classe trabalhadora. Na última semana, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sob comando da ministra fundamentalista, Damares Alves, comunicou que redigiu uma primeira versão da Medida Provisória (MP) que irá regulamentar o ensino domiciliar no País. Trata-se de mais um ataque à Constituição, pois, no ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma decisão não reconhecendo o ensino domiciliar de crianças. Para a Corte, não há lei que autorize a medida e não há legislação que regulamente preceitos e regras aplicáveis a essa modalidade de ensino.
Embora a MP não tenha saído do MEC, a Secretaria de Alfabetização, pasta do Ministério da Educação que trata sobre os primeiros passos das crianças na educação, ocupada por Carlos Francisco de Paula Nadalim, está em sintonia com a medida. Nadalim, formado em direito pela Universidade Estadual de Londrina e proprietário de escola privada, é um entusiasta do Homeschooling, sistema em que as crianças são ensinadas em casa pelos próprios pais ou sob sua responsabilidade direta. Com jornadas de trabalho exaustivas, por vezes dupla, tripla, qual pai ou mãe proletária terá condições de ensinar seus filhos em casa? Mas a motivação de Nadalim é clara, pois ele é autor e vendedor de um e-book, livro virtual, chamado “Como educar seus filhos”, em que se propõe a ensinar a pré-alfabetizar os filhos em casa. Trata-se de mais um mecanismo de privatização da educação e redução do financiamento à educação pública, pois a intenção dos abutres que hoje se encontram no MEC é abrir a possibilidade da educação “em casa” para engordar, com dinheiro público, uma fatia do mercado onde atuam empresas que fornecem apoio didático e que farão acordos com o Estado, através de vouchers e outras práticas.
Ao retirar investimentos e colocar representantes dos interesses privados para gerir a educação e tentar implementar medidas educacionais sem nenhum lastro com a realidade material da maior parte da população brasileira, o governo Bolsonaro acelera a precarização e a desmoralização completa das estruturas da educação pública. Não há possibilidade de ação, por parte da classe trabalhadora, que não seja a mobilização, com greves e nas ruas, em defesa deste direito historicamente conquistado.