O novo capítulo da novela envolvendo a justiça brasileira ocorreu no último dia 8 de julho, quando o desembargador de plantão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Rogério Favreto, acatou um pedido de Habeas Corpus (HC) ao ex-presidente Lula, feito pelos deputados federais Paulo Pimenta (PT-RS), Paulo Teixeira (PT-SP) e Wadih Damous (PT-RJ). Lula é mantido como preso político pela Operação Lava Jato desde abril deste ano.
Em sua decisão, o desembargador determinou a suspensão da execução provisória da pena, ordenando que a apresentação do Alvará de Soltura se cumprisse “em regime de URGÊNCIA” por “qualquer autoridade policial presente na sede da carceragem da Superintendência da Policia Federal em Curitiba”.
Instantes após ser expedida a decisão, o juiz federal Sérgio Moro, que estava em férias, passou por cima de todos os ritos da Justiça brasileira e se negou a acatar e cumprir a decisão do desembargador plantonista, afirmando que esse não tinha “competência para mandar soltar o preso”. Conforme destacou Favreto, Moro não era autoridade coautora nesse caso, que foi destinado à juíza da 12ª Vara, responsável pela execução penal do processo. Ou seja, o “menino de recado” do imperialismo norte-americano agiu, mais uma vez, totalmente fora da lei.
Diante da negativa do juiz de primeira instância, Favreto voltou a exigir o imediato cumprimento de sua ordem. Entrou em cena o Ministério Público Federal, pedindo a reconsideração da liminar, para que ela fosse apreciada pela 8ª Turma do TRF-4. Em seguida, acionado por Moro, o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato na corte, tomou partido e decidiu que o ex-presidente não poderia ser solto. Novamente o plantonista do TRF-4 chamou à ordem, ordenando que sua decisão, baseada no fato novo apresentado pelos impetrantes do HC, fosse cumprida. O presidente do TRF-4, desembargador Thompson Flores, encerrou a questão e determinou que o ex-presidente continuasse preso, alegando que seria Gebran Neto o “homem” responsável pelo caso Lula.
Em entrevista, Favreto justificou sua decisão: “mesmo quando executa provisoriamente a pena, você pode cumprir quando cabível (entendo que no caso não é, mas eu não estava enfrentando esse ponto), os direitos políticos não são suspensos, somente depois de trânsito em julgado, conforme prescreve a Constituição Federal. Então ele tem os direitos políticos. Os impetrantes trouxeram um fato novo que é a pré-candidatura e eles tinham o direito de se manifestar e de fazer usar. A apreciação desses pedidos para gravação de entrevistas, de sabatinas etc., estava sendo omitido pela juíza [da vara de execução], em flagrante quebra de igualdade e isonomia sobre os demais candidatos. Sobre essa ótica eu entendi que prevalecia esse direito e, por consequência, também o direito à liberdade de ir e vir como pré-candidato, sem prejuízo ao final do processo, que se confirmado ele tem que cumprir a pena (...)”.
Censura e perseguição: modus operandi do poder judiciário
O golpe de Estado que depôs a presidenta eleita, Dilma Rousseff, e que mantém preso o ex-presidente Lula, candidato preferido da população para as próximas eleições presidenciais, ficou ainda mais evidente com todo esse “vai e vem” da justiça. Na prática, na democracia burguesa não existem leis quando se trata de defender os interesses das camadas mais abastadas, é um verdadeiro vale-tudo.
Diversos juízes e especialistas denunciaram a ação vergonhosa do judiciário, como foi o caso do jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito, Lenio Luiz Streck: “Nem a polícia nem Moro podem se opor, mesmo que a ordem de HC seja eventualmente indevida ou ilegal. Outro aspecto é que Moro está em férias e não pode decidir ou despachar nesse período. Estranho que Moro diga que recebeu orientação do presidente do TRF hoje. Por escrito? Nos autos? Por telefone? Há muita coisa 'extra-autos' aqui (...). Em uma democracia, juiz dá ordem e um juiz de instância inferior cumpre. Sob pena de responder a processo por desobediência e outras sanções. Trata-se, enfim, do maior imbróglio jurídico do século”. O relator-Geral da Comissão de Anteprojeto do Novo Código de Processo Penal, Eugênio Pacelli, chamou de bizarra a decisão do desembargador que “em pleno domingo, avocou o processo para a sua competência (...). Quem atua no domingo é o plantonista! Na segunda, ele poderia rever a decisão, quando o processo lhe fosse afinal distribuído como relator. Mas jamais avocar o processo! Com um agravante: decisão judicial se cumpre, não cabendo à autoridade de primeiro grau questionar o acerto daquela do segundo grau, e, muito menos ainda, consultar outras autoridades do mesmo nível, para saber se estava correta a decisão”.
Entidades como a Associação Juízes para a Democracia (AJD) e a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) também divulgaram notas denunciando esse ataque contra a “ordem jurídica democrática”.
Mesmo diante de tamanho flagrante, as denúncias caíram sobre Favreto, que responderá por processos no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). São nove ações contra o desembargador depois que este decidiu pela soltura provisória de Lula. Já Moro, que se negou a cumprir a decisão judicial, teve apenas quatro processos. Favreto inclusive já respondeu reclamação disciplinar no CNJ por ter feito declarações públicas na qual insinuava críticas ao juiz Sérgio Moro e à condução da Lava Jato. Conforme informação do portal de notícias G1, porta-voz dos golpistas, "Favreto acumula, em sua carreira, 10 reclamações disciplinares no CNJ, sendo que oito delas são referentes ao caso do triplex do Guarujá, que envolve o ex-presidente Lula". A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chegou a pedir ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que se abra uma investigação contra Favreto e os deputados federais, além mover uma reclamação no CNJ pedindo a aposentadoria compulsória do magistrado. A medida foi duramente criticada por Wadih Damous: “a última vez que um juiz foi cassado pela concessão de habeas corpus no Brasil foi na Ditadura Militar (...) a procuradora-geral quer criar no Brasil uma censura prévia dos direitos que o cidadão pode pleitear”.
Essa foi uma demonstração cabal não só da divisão de setores da burguesia, mas da completa desmoralização do poder judiciário brasileiro. Ficou escancarado, mais uma vez, que tal poder é regido por interesses que nada têm a ver com o arcabouço jurídico, mas com questões políticas e econômicas, inclusive de ordem internacional.
Dos poderes existentes, o Judiciário é o único em que o povo sequer tem direito a eleger seus representantes – os principais cargos são ocupados via indicação política. Não há nenhum controle, tampouco fiscalização, o que nos coloca a urgência de uma completa reestruturação da Justiça. Também fica evidente que os trabalhadores não podem, de forma alguma, nutrir qualquer ilusão nesse sistema que defende apenas e tão somente os interesses dos grandes capitalistas.